A pandemia causada pelo novo coronavírus (eufemismo de “gripezinha”) foi capaz de descortinar e jogar luz para todas as desigualdades do Brasil e do mundo. Não nos esqueçamos que tais questões sociais já são ecoadas há séculos pelos movimentos sociais, sendo as mulheres negras protagonistas na luta por uma sociedade mais justa e equânime.
O vírus atravessou fronteiras e aterrissou no País, tendo como seus hospedeiros primordiais corpos brancos privilegiados que regressavam ao Brasil. Não foi à toa que a primeira vítima fatal foi Cleonice Gonçalves, a empregada doméstica infectada pela patroa que voltou de viagem da Itália. É fato que o vírus vitimou de forma mais desigual os grupos em situação de vulnerabilidade social.
Mães-solo, mulheres chefes de família, mães órfãs, mulheres negras diversas e plurais tiveram que literalmente engolir o choro e seus medos para enfrentar a maior crise sanitária do século, correndo o risco de morrer “na contramão, atrapalhando o tráfego”, afinal muitas Sinhás não abriram mão dos serviços domésticos realizados majoritariamente por mulheres negras.
O uso da #fiqueemcasa não foi o suficiente para sensibilizar o governo e os grandes bilionários; afinal estamos em um País em que, de acordo com pesquisa do IBGE ,10% mais ricos ficam com 43% da renda nacional. A maioria da população não teve o privilégio de poder trabalhar em casa e teve de correr todos os riscos decorrentes da própria pandemia e da segurança pública.
Nós, mulheres negras, continuamos enfrentando todos os obstáculos físicos, políticos, econômicos, sociais e simbólicos, não por sermos guerreiras, mais sim porque não são garantidas outras opções. Nossa luta é diária para mantermos nosso aluguel em dia, a (in)segurança alimentar de nossos filhos e filhas, afinal já dizia o rapper Emicida: “Sozim, com alma cheia de mágoa e as panela vazia, Sonho imundo, Só água na geladeira e eu querendo salvar o mundo.”
Não temos o tal do mínimo social previsto em letra da Constituição Federal de 1988, mas temos todos os sonhos do mundo, sonhos que nos impulsionam a levantar e a correr para que as próximas gerações possam encontrar uma estrada menos esburacada e mais diversa. Nossa indignação e luta pela parte que nos cabe nesse bolo é vista pela elite como “delírios comunistas”.
Sabemos que estamos ocupando um pedaço desse latifúndio, devido muito sangue e luta da nossa ancestralidade. Entrar e sair pela porta da frente de locais que a branquitude usurpou por séculos causa incômodo na Casa Grande. Incômodo que leva racistas a fazerem declarações (in)direitas ao ver mulher negra coberta de diamantes, ganhando milhões e estampando páginas e mídias sociais.
Desde o golpe de 2016 estamos presenciando cortes orçamentários nas Políticas Sociais, perda dos direitos trabalhistas e a ascensão de governos autoritários e descomprometidos com a agenda dos Direitos Humanos. Porém o que incomoda a elite brasileira é a ascensão de corpos negros em espaços de decisão.
Para o atual (DES)governo, assim como uma parcela da elite brasileira, cobrar políticos para que estes exerçam plenamente suas funções – como investir em políticas de saúde, educação, assistência social e habitação – seria polarizar o País, transformando-o em a Venezuela.
Falas como a do atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, ao dizer que “ o Fies levou até filho de porteiro que zerou o vestibular para a universidade…” e do Ministro da Educação, Milton Ribeiro, que “universidade deveria, na verdade, ser para poucos” evidenciam que a elite do atraso, não quer perder seus privilégios materiais e muito menos os privilégios simbólicos. Análise essa, tão bem retratada pelo autor Jessé Souza no livro A Elite do Atraso da Escravidão à Lava Jato.
As omissões da branquitude que se diz antirracista e sensibilizada com morte de pessoas negras nos Estados Unidos não me surpreendem mais. Afinal o portal do ódio foi legitimado nas eleições de 2018. Quem está na rua buscando derrubar o Bolsonarismo são os movimentos sociais. Influenciadoras(es) Digitais e Globais preferem continuar em suas respectivas bolhas, assistindo o Brasil voltar para o mapa da fome e criticar toda beleza e riqueza da Diva Beyoncé.
Finalizo solicitando que a elite branca atualize o significado de justiça social. Para Sr. Aguinaldo Silva ” justiça social só quando qualquer mulher, independente da raça, idade, religião ou fama puder usá-lo. Isso acontecerá algum dia? O que vocês acham?”
Sibele Gabriela dos Santos, feminista, militante dos Direitos Humanos, abolicionista, é assistente social, graduada em Serviço Social pela Unesp. Pós-graduada Políticas Públicas-SUAS, MBA em Administração Pública e Gerência de Cidades, curso profissional em Neurociência pela PUCRS, Especialista em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, Mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas na Unesp, Pós-graduanda em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUCRS, cursando MBA em Gestão de Projetos pela USP, graduanda em Formação Pedagógica para Docentes pelo IFSP, Mestranda em Educação pela USP e Líder do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco pelo Fundo Baobá.
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