No seu discurso de posse na Casa Branca, o presidente Donald Trump citou o reverendo Martin Luther King Junior para definir a sua ideia de Estado democrático de Direito e como orientaria o país mais importante do mundo do qual acabava de assumir o comando.
Como sabemos, o reverendo King foi um dos maiores ativistas afro-americanos do século 20, atuou pela causa da liberdade e pelos direitos civis nos Estados Unidos, numa pacífica tentativa de integrar a sociedade americana contra o ódio racial que assolava a população negra, desde a origem do país. Em reconhecimento à sua liderança, de fundo religioso e pacifista, recebeu dois fatos que marcariam profundamente sua existência: o prêmio Nobel da Paz, em 1964, e uma sentença de morte, pois foi assassinado em abril de 1968.
O sonho de King, proclamado pela boca autocrata de Trump, cheirou, na verdade, a hipocrisia, deboche à lendária figura de quem pagou com a vida por exigir paz e soberania entre americanos e as nações.
Os primeiros decretos do novo governo deram o tom do tamanho do problema que chegava à Casa Branca. Além do banimento de imigrantes, perseguição a questões de raça e gênero, Trump libertou 1.500 pessoas envolvidas no atentado do Capitólio, em Washington, no fatídico 6 de janeiro de 2021, alegando que eram “reféns” e não “fizeram nada de errado” ao país.
Há pouco mais de uma semana, o radialista Ben Shapiro, conhecido pelo seu alinhamento ao governo federal, publicou um vídeo sugerindo ao presidente o perdão ao ex-policial Derek Chauvin, condenado a 22 anos de prisão pelo assassinato de George Floyd em maio de 2020.
O absurdo pedido de Shapiro ganhou adesão dentro da Casa Branca. O magnata Elon Musk, conselheiro sênior do presidente republicano, repercutiu o apelo em sua rede social X, acrescentando a frase: é “algo para se pensar”.
A comunidade negra americana está sobressaltada. Terrence Floyd, irmão da vítima, em nome da família, condenou a proposta de perdão e se disse “consternado”, com o que chamou de “uma ferida aberta”, ao lembrar que George foi morto há apenas cinco anos.
Ben Shapiro é o pseudônimo de Benjamin Aaron Shapiro, 41, ativista e advogado ultraconservador que atua como comunicador do podcast “The Ben Shapiro Show”, além de escritor e radialista diário nos Estados Unidos.
Seus livros polemizam questões contra a “esquerda americana”, acusada por ele de ter predominância ideológica sobre professores e universidades do país.
O assassinato de George Floyd, pelo viés bárbaro e racista, chocou o mundo, como uma página entristecida da história social americana, efeitos da antiga Ku Klux Klan.
George Floyd é hoje um símbolo poderoso aos afro-americanos, sobretudo os mais jovens, líderes do movimento antirracista Black Lives Matter (vidas negras importam), que repercutiu no Brasil. Nascido na Carolina do Norte, teve uma vida de altos e baixos, sendo preso algumas vezes. Frequentou a universidade e se dedicou ao esporte americano e à música, atuando no grupo texano de hip-hop Screwed Up Chick e no álbum “Block Party”.
O desdobramento de tudo isso ainda é sombrio. A esperança, no entanto, é a última que morre.
Tom Farias – Jornalista e escritor, é autor de “Carolina, uma Biografia” e do romance “Toda Fúria”