Aborto, por Oscar Vilhena Vieira

Nas democracias atuais, encontramos duas grandes formas constitucionais de enfrentar a questão

Os casos de Jandira Cruz e de Elizângela Barbosa, nos impõem retomar a discussão sobre o aborto no Brasil. Jandira desapareceu depois de sair de casa, em Campo Grande, para realizar um aborto clandestino. Foi encontrada carbonizada e sem arcada dentária dias depois. Elizângela também morreu após buscar a interrupção da gravidez numa clínica em Niterói.

Estima-se que no Brasil ocorram entre 600 mil a mais de 1 milhão de casos de abortos inseguros todos os anos. Milhares de mulheres ficam mutiladas física e emocionalmente em decorrência da realização de abortos inseguros, sendo que a cada dois dias uma perde a vida.

Não é necessário ser a favor do aborto para compreender a dramaticidade do problema. A questão é que a estratégia de ampla criminalização, como ocorre no Brasil, não tem se demonstrado minimamente capaz para preservar a expectativa de vida dos fetos, bem como assegurar a autonomia e a própria integridade física das mulheres.

Quando olhamos para as democracias contemporâneas, encontramos duas grandes formas constitucionais de enfrentar a questão, que podem ser exemplificadas pelos casos norte americano e alemão.

Em 1973, a Suprema Corte norte-americana decidiu, em Roe v. Wade, que o direito à privacidade da mulher sobre o seu próprio corpo deveria se sobrepor ao interesse do Estado em proteger a expectativa de vida do feto, ao menos enquanto não houvesse viabilidade extrauterina. A partir do momento em que o feto pudesse sobreviver fora do útero materno, o interesse do Estado se tornaria dominante, podendo, então, proibir o aborto.

Em 1975, a Corte Constitucional alemã decidiu, por sua vez, que o Estado não poderia deixar de proteger, por intermédio do direito penal, a vida, desde o momento de sua concepção. Pois a vida que se desenvolve dentro do útero materno seria um valor constitucionalmente protegido, independente da autonomia materna. Porém, quando houvesse um ônus extraordinário para a mulher levar a cabo uma gravidez, esta poderia invocar uma espécie de escusa de consciência, que deveria ser considerada legalmente. Na prática, autorizou o aborto por razões de natureza social ou psicológica nos três primeiros meses de gravidez.

A mesma corte foi obrigada a retornar ao tema em 1994, após a aprovação de uma legislação mais liberal. Sem abandonar o princípio de que o Estado está obrigado a proteger o feto durante toda a gestação, reconheceu a competência do parlamento para escolher o meio mais adequado para a proteção da vida intrauterina, desde que a mulher tenha que passar por um aconselhamento dissuasório, em que tomará conhecimento sobre os benefícios do Estado caso decida prosseguir com a gravidez. Caso depois de três dias não se convença em manter a gravidez, receberá um certificado que lhe garantirá imunidade penal, podendo o aborto ser praticado em uma clínica pública.

Em resumo, o Brasil precisa urgentemente buscar outros meios, que não a mera criminalização das mulheres, para enfrentar a questão do aborto. Se nossos políticos hegemônicos não têm a coragem para propor alternativas, o Supremo Tribunal Federal será inevitavelmente convocado a encontrar uma solução que melhor proteja fetos e mulheres, como fizeram as cortes americana ou alemã.

 

Fonte: Luis Nassif Online

+ sobre o tema

Política social do governo para mulheres fracassa

Por ignorância, incompetência, má-fé — ou tudo isso junto...

Os desafios e as lutas das mulheres, hoje. Entrevista especial com Darli Sampaio

"Eu gostaria de homenagear o rosto jovem da adolescente,...

Prêmio literário para mulheres é lançado no Planalto

O governo federal lançou nesta quarta-feira (5) o Prêmio...

Mulheres na ditadura: Sem adjetivos

BRASÍLIA - "Eu sabia que estava com um cheiro...

para lembrar

“É feminista, mas usa salto alto e faz depilação”

Nosso combate não implica negação absoluta dos padrões dominantes....

Jovem é agredido e queimado vivo em ritual de purificação de gays em BH

Um jovem gay de 19 anos foi brutalmente torturado em...

Mostra fotográfica exibe identidade negra das mulheres em Juiz de Fora

Exposição ficará até 11 de abril no saguão da...

Prefeito de Roma aprova casamentos gays e enfurece Igreja

Um casal gay, casado oficialmente fora da Itália, posa...
spot_imgspot_img

Descriminalização do aborto até 12 semanas entra na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, marcou para a próxima sexta-feira (22) o início do julgamento que trata sobre a descriminalização do aborto...

Exaustão crônica reflete o mal-estar contemporâneo

Em 1974, Herbert Freudenberger usou o termo "burnout" para descrever o crescente número de casos de colapso físico ou mental causado pelo excesso de...

Rosa Weber libera para julgamento no STF ação sobre descriminalização do aborto até 12 semanas

A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou para julgamento a ação que discute a possibilidade de aborto legal até 12...
-+=