As barreiras causadas pelo racismo limitam os afetos verdadeiros

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Se você é uma pessoa branca e não se interessa por assuntos referentes a questões raciais, pode considerar isso um sintoma óbvio do racismo que você confortavelmente esconde (ou acha que esconde).

Por Joice Berth Do Justificando

Se te causa desconforto ler e ouvir pessoas negras falarem sobre os efeitos causados pelo problema que seus antepassados criaram e que você mantém por conivência e conveniência (privilégios!!!) também é um alerta vermelho falando sobre seu comportamento opressor.

Se você se motiva a falar sobre racismo e o faz de maneira superficial, evidenciando a sua ausência de autocrítica diante do quadro social que te beneficia tremendamente, pense bem sobre o significado da palavra HIPOCRISIA.

O indivíduo, sozinho, não tem poder de desmonte da estrutura que o cerca, e é comum pessoas brancas que se dão conta da necessidade de trabalhar para eliminação dos ranços racistas que mantém, questionarem qual o seu papel nessa estrutura ou ainda sair em defesa própria afirmando que tem relações sociais e/ou familiares com pessoas negras e que portanto, estaria isento da prática sistemática do racismo.

Mas, se o racismo é institucional, estrutural e histórico, ele é também e amplamente uma manifestação emocional e afetiva.

É um sentimento mantido e cultivado pela junção de estereótipos que tem passado de geração em geração. Também é consubstanciado pela linguagem, porque já sabemos que há muito poder nesse campo, construindo e sustentando narrativas que tem um peso emocional e afetivo muito grande (o popular usa a linguagem através de piadas, trocadilhos, estórias onde a imagem da pessoa negra aparece sutilmente como alguém desprezível ou desnecessário, confinado em funções subalternas ou praticando maldades contra pessoas brancas, por exemplo, que acabam por consolidar no inconsciente coletivo essas informações.)

E é ai que o indivíduo branco(a) tem poder de atuação na estrutura racista que por vezes o perturba quando da constatação de que ela é uma realidade vivenciada por muitos e muitas pessoas.

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Porque enquanto sentimento que norteia o comportamento social, dá pra afirmar que é um dos elementos que corroboram com a estrutura e com a instituição e isso é histórico.

O sentimento racista que causa repulsa do indivíduo branco para com o indivíduo negro e que faz com que por mais que você ame aquele seu grande amigo ou seu par amoroso, parente, etc. haja uma barreira entre vocês que só a pessoa negra sente, deve ser detectado e combatido com muita decisão, porque é ele que exclui e segrega em um nível que acaba por se tornar decisivo nas relações sociais. E é tão naturalizado que a pessoa branca não pensa a respeito de quantas vezes é capaz de agir com racismo mesmo com aqueles a quem estima.

Esse é o poder do indivíduo branco, sozinho, dentro da estrutura.

O poder de projetar seu sentimento racista a serviço da estrutura social. Nem sempre o racismo se manifesta de maneira explícita e que se possa perceber facilmente. No campo da afetividade e do emocional ele é muito sutil e por isso mesmo, mais destrutivo, porque deixa dúvidas em quem percebe e cria uma ilusão no indivíduo branco que acha que gosta e aceita plenamente o indivíduo negro, quando na verdade esse gostar mesmo quando existe, não é pleno ou proporcional ao que ele sente por quem lhe parece igual, pois a repulsa construída está ali, dentro do indivíduo branco, escondida ou disfarçada até por ele mesmo.

Portanto queridas pessoas brancas (sem ironia), não adianta a indignação momentânea com casos de racismo ou a sensibilização até real, diante desses casos. O mito da democracia racial possibilitou a convivência entre brancos e negros, mas falhou porque a afetividade não foi compreendida, abrindo assim uma lacuna emocional muito potente que dá o tom da cordialidade, mas camufla a repulsa por aqueles que foram pautados como objetos de serventia.

Daí, se você não se dispuser a ler, ouvir e enxergar o quanto você colabora com a estrutura que permite que violências e discriminações raciais se repitam você não está sendo honesto. Sua indignação é vazia e fruto de uma hipocrisia nociva e muito útil ao sistema racista, porque parece que a pessoa branca se importa e vai fazer alguma coisa. Mas ela não faz nada. Nem ao menos procura saber o que precisa ser feito.

E fica na pessoa negra que presencia sua indignação um sentimento de certeza de que você faria ou faz a mesma coisa que está criticando ou se indignando, ainda que essa pessoa negra não verbalize. É bom que se saiba que a pessoa negra nem sempre verbaliza essas assimilações, ou por medo de perder a amizade ou pura e simplesmente porque não sabe bem o que está sentindo. Numa análise mais genérica da sociedade, podemos concluir que não somos preparados para perceber e muito menos entender o que se passa em nosso interior. Quase nunca, de fato, sabemos explicar com verdade o que sentimos.

Se o indivíduo branco não esmiuçar dentro dele o sentimento de repulsa, de nojo mesmo, por pessoas negras que lhe foi incutido desde a mais tenra infância, não vai sair da massa de manobra que alimenta o alicerce, e que produz e reproduz o tempo todo o cenário social onde esses casos acontecem.

Não importa se você frequenta lugares negros, conversa com pessoas negras, permite que ela frequente sua casa, estuda cultura negra e suas manifestações, etc. Nada disso mexe com seus mais profundos sentimentos de repulsa, raiva, nojo, superioridade que sente diante de pessoas negras. A simples dificuldade de admitir ou dizer que uma pessoa é negra, ou ainda a necessidade espontânea do “mas” quando é inevitável dizer que uma pessoa é negra, é um sinal perturbador desses sentimentos que mantém (“ela é negra mas é muito simpática!” ou “Minha filha namora um negro, mas ele é muito inteligente!”).

É esse sentimento que faz com que você esqueça fácil que pessoas negras são assassinadas apenas por serem pessoas negras, porque no fundo, lá no fundo, você sente um alívio, pois eliminaram mais uma personificação da causa do teu desconforto.

É esse sentimento que faz com que você trate pessoas negras, inclusive as que são de sua estima, como menos importantes, menos necessárias dentro do seu círculo social, numa atitude naturalizada de descarte de pessoas negras em várias situações e silêncio diante atitudes racistas de outros para com ela, que você por ventura presencie. Você faz isso sem perceber, acredite.

É esse seu sentimento que faz, por exemplo, com que você ache normal em um país de maioria negra, ser tudo branco ao seu redor, desde o seu círculo de amigos, a bibliografia do teu curso universitário, até os espaços de poder ou não dentro do teu ambiente de trabalho, passando pela sua família e programação de TV que você assiste.

E nesses momentos, você não sente indignação e nem desconforto, sua sensibilidade está adormecida, porque tua repulsa por pessoas negras não tem por onde se manifestar. Sua repulsa por pessoas negras que é a manifestação afetiva do racismo e está naturalizada no emocional da sociedade, faz com que você se sinta muito confortável entre os seus pares brancos e estabeleça uma linha invisível ao seu redor, limitando o acesso de pessoas negras, ainda que você goste ou se simpatize com elas.

Essa é a contribuição do indivíduo branco para com a estrutura racista. Manter o sentimento de repulsa como uma espécie de entorpecente que impede que se considere toda e qualquer violência racial passível de ser combatida, reprimida. Se não houvesse esse trabalho muito bem fundamentado no período colonial, quem admitiria as atrocidades cometidas contra pessoas escravizadas?

E se essas atrocidades, são cometidas até hoje, é porque algo de podre foi herdado juntamente com as riquezas construídas pela exploração desumana de pessoas negras. E é essa podridão, confinada no interior de cada um e que foge do controle manifestando-se de forma camuflada, mas não imperceptível deve ser tratada com mais atenção.

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