“A Amazônia é mulher”, nos diz a jornalista e ativista ambiental Eliane Brum. É nesta perspectiva que nós, da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, escrevemos este artigo.
Como pesquisadoras e ativistas da causa indígena, somos todas Amazônia, cerrado, caatinga, mata atlântica. Nossos corpos se confundem com o corpo da terra que habitamos; nossos pés têm raízes nesses territórios constantemente violentados. Trata-se de violência tão familiar a todas as mulheres do Brasil, vítimas de feminicídios, estupros físicos e agressões verbais, misoginia escancarada nas bocas institucionalizadas de homens brancos, nos silêncios impostos a meninas grávidas e a meninas negras e indígenas, abusadas e mortas. São mortes que não comovem esta sociedade estruturalmente racista.
Nos últimos quatro anos vivenciamos a maior e mais violenta ofensiva aos povos indígenas e seus territórios, já demarcados ou em estudo, pós-Constituição de 1988. Cabe lembrar que está nas terras e territórios indígenas a porção mais preservada do território nacional. Entre as ameaças à vida dos biomas brasileiros e dos povos que os habitam está o projeto de lei 490/2007. Ele prevê a possibilidade de que as terras já demarcadas sejam retomadas pelo Estado quando houver “perda de traços culturais”, em flagrante desrespeito aos parágrafos 2º e 5° do artigo 231 da Constituição Federal.
Desconsidera que todas as sociedades humanas mudam de forma dinâmica e constante e amplia a possibilidade de autorização para mineração em terras indígenas, desde que exista “relevante interesse público”. A mineração ilegal tem motivado as invasões às terras indígenas, contaminando os rios e os peixes, além de facilitar a violência contra as mulheres e crianças indígenas. Ressaltamos ainda as sérias ameaças aos povos que vivem em isolamento voluntário, na proposição também de que o Estado estabeleça contato forçado quando existir “interesse público”.
A necropolítica e o racismo institucional são categorias que ajudam a entender que quando os corpos das florestas, da caatinga, do cerrado e das matas são violentados, também o são os corpos das mulheres e homens que os habitam. A violência contra o que chamamos de meio ambiente é violência contra a vida de todos nós.
As mulheres indígenas têm um papel fundamental no cuidado com a “Mãe Terra”. Participam ativamente das atividades e articulações comunitárias, onde são tratados todos os assuntos referentes ao território que habitam, assim como na retirada de matérias-primas para confecção de artesanatos, nas atividades domésticas e de cuidado, no manejo dos alimentos e no manuseio de roças e lavouras. Os povos indígenas têm modos de vidas indissociáveis das terras que habitam. Em seus territórios estão as maiores reservas de biodiversidade do Brasil, bem como as nascentes de grandes rios, além de habitat e refúgio de animais em risco de extinção. Demarcá-los, preservá-los e protegê-los é dever do Estado.
Compreender e nos apropriarmos de novas categorias para pensar as causas do aquecimento global e as alternativas para adiar “o fim do mundo”, como nos sugere o escritor e intelectual Ailton Krenak, depende de uma escuta dialógica, comprometida e qualificada para a elaboração de políticas efetivas de proteção e valorização dos saberes e das ciências tradicionais e indígenas.
Os modelos indígenas de “sustentabilidade ambiental”, para usar uma categoria das ciências não indígenas, podem ser inspiração para novos modelos de viver frente aos desafios ambientais e de sobrevivência que se apresentam, pois ser a favor da vida e da natureza é saber que, além da vida humana, existem outras vidas. Mulheres e meio ambiente devem ser pautas transversais e indissociáveis na agenda política do país.
Autoras:
Jacqueline Souza e Telma Taurepang
Povo Taurepang (RR)
Kamutaja Ãwa
Povo Ãwa (TO)
Reijane Pinheiro
Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC) e Universidade Federal de Tocantins
Rute Andrade
RBMC (PI)
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