CARE

por Sueli Carneiro

Cuidado, carinho, é o que a palavra significa em inglês e é o que a instituição que carrega esse nome oferece ao redor do mundo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, quando assumiu a tarefa de aliviar a fome e a pobreza no continente europeu devastado por aquela hecatombe. São inúmeros os relatos de sobreviventes sobre o significado para suas vidas daqueles imensos pacotes marcados com a inscrição ‘‘care”. Para muitos representava a diferença entre viver ou morrer.

Enfim, ela chega ao Brasil. Talvez, na decisão da criação da Care Brasil esteja presente a compreensão de que a pobreza e as desigualdades sociais adquirem aqui padrões semelhantes aos encontrados nas inúmeras situações de guerra enfrentados pela instituição no mundo: Bósnia, Afeganistão, Angola, para citar alguns.

Originalmente uma iniciativa norte-americana, a Care é hoje de âmbito internacional que congrega onze países mantenedores e desenvolve programas de desenvolvimento social e sustentável e de emergências em 65 outros países, estando o seu secretariado internacional instalado em Bruxelas, na Bélgica. Atua na América Latina e no Caribe desde 1951, e hoje presta serviços nos seguintes países: Bolívia, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua e Peru.

A Care Brasil é a primeira afiliada da Care Internacional na América Latina e é também o décimo segundo membro da federação internacional, ou seja: o Brasil é o primeiro país em desenvolvimento a se transformar num membro dessa federação. A Care Brasil possui autonomia para decidir suas prioridades e estratégias. Todos os membros do conselho e da direção são brasileiros. Essa especificidade se deve à constatação de que, ao contrário da maioria dos países da região, o Brasil é um país rico, com recursos internos suficientes para a erradicação da pobreza, no qual, paradoxalmente, impera a pior distribuição de riquezas do mundo.

Segundo o pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Ipea, em seminário realizado pela Care Brasil em dezembro de 2001 sobre a questão da pobreza no Brasil, são necessários apenas 5 bilhões para levar os 22 milhões de indigentes do país à linha da pobreza e 30 bilhões para acabar com toda a pobreza num cenário em que o gasto social gira em torno de 150 bilhões por ano. Esse dispêndio anual de recursos não é capaz de erradicar a pobreza porque, segundo Paes de Barros, ‘‘continua-se fazendo política social para aquelas pessoas que a gente acha que são pobres, mas que na verdade não são tão pobres assim. Os verdadeiramente pobres estão completamente fora do sistema, são invisíveis, não se pensa neles na hora de desenhar a política e eles não têm participação nas decisões. Qualquer esforço para torná-los visíveis e incluí-los no processo de decisão é fundamental”.

Partindo dessa visão, ‘‘a Care Brasil colabora para erradicar a pobreza nas zonas rurais e urbanas. Identificando um foco de pobreza, associa-se às organizações locais e, juntas, diagnosticam as causas da pobreza, avaliam os recursos da comunidade e elaboram uma proposta de ação. Depois de implementar essa ação, avaliam o impacto que gerou na comunidade”.

São eixos de suas ações a geração de renda rural e urbana por meio de microfinanças ou processos de produção; a educação infantil, em especial a educação pré-escolar para crianças entre 4 e 6 anos, baseando-se sempre no desenvolvimento de metodologias participativas e projetos que valorizam a diversidade cultural e a igualdade de direitos de gênero, raça e etnia. A Care considera como um de seus maiores capitais a diversidade étnica da organização.

Marcos Athias Neto, diretor-executivo da Care Brasil, sintetiza a perspectiva ética que informa a ação dessa organização no Brasil: ‘‘Nossa responsabilidade é do tamanho dos nossos privilégios”. No país campeão das desigualdades, dos privilégios e da indiferença social, é uma auspiciosa novidade.

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