Caso Ágatha reabre debate sobre endurecimento de leis anticrime no Brasil

Garota de oito anos morreu após ser atingida nas costas por bala perdida no Complexo do Alemão. Caso provoca comoção e reaviva discussão sobre abrandamento de penas a policiais responsáveis por mortes em trabalho.

No DW

Protesto por morte de Ágatha reuniu moradores do Complexo do Alemão e de outras áreas do Rio. (Foto: L. Correa/AP)

A morte da menina Ágatha Sales Félix, de oito anos, na última sexta-feira (20/09) causou comoção no Brasil, chamou a atenção da imprensa internacional e reavivou o debate sobre o endurecimento de políticas de segurança pública e o chamado excludente de ilicitude, que dá respaldo jurídico para autoridades policiais quando estiverem em trabalho.

Ágatha foi baleada nas costas por um tiro de fuzil no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Seu enterro, neste domingo (22/09), foi marcado por protestos contra violência policial e a política de segurança pública do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

Antes do velório, moradores do Complexo do Alemão seguiram em passeata da localidade de Itararé até o bairro de Inhaúma, onde ocorreu o sepultamento. Um grupo de mototaxistas da comunidade fez um buzinaço durante o protesto. Moradores de outras regiões da cidade participaram da manifestação.

Quando o caixão deixou o velório rumo ao cemitério, foram ouvidos gritos de “justiça” e “Witzel é assassino”. Em clima de comoção, pessoas carregaram uma grande faixa com os dizeres “Parem de nos matar”, numa referência à crescente preocupação com o aumento de mortes no estado durante ações policiais.

Ágatha foi a quinta criança morta por bala perdida este ano no Rio e a 57ª desde 2007, de acordo com levantamento da ONG Rio de Paz. Ela voltava para casa, junto com a mãe, dentro de uma kombi, quando foi atingida.

A Polícia Militar disse que reagiu a um ataque de criminosos e que houve troca de tiros. Segundo nota do governo estadual, os PMs revidaram a uma agressão sofrida em confronto.

Moradores, entretanto, afirmam que no momento não havia confronto na favela. Segundo eles, um policial atirou na direção de um motociclista que passava perto da kombi. A Coordenadoria de Polícia Pacificadora comunicou que vai iniciar apuração sobre o caso.

O caso chamou a atenção da mídia internacional, sendo noticiado na Alemanha, entre outros, pelo site do respeitado jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. Nos EUA, a morte de Ágatha é abordada pelo The Washington Post. No Reino Unido, o incidente é tema de reportagens nos jornais The Guardian e The Independent. As redes internacionais também dedicaram espaço para a morte da menina, entre elas, Al Jazeera, BBC News e France 24.

Mais de 24 horas após a morte de Ágatha, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, ainda não havia se pronunciado pessoalmente sobre o incidente. Em nota divulgada neste domingo, o governo do Rio de Janeiro afirma que Witzel “determinou máximo rigor” nas investigações sobre o caso. O texto lamenta a morte da menina, “assim como a de todas as vítimas inocentes durante ações policiais” e ressalta que o trabalho dos policiais “segue protocolos rígidos de execução, sempre com preocupação de preservar vidas”.

Enquanto isso, autoridades comentaram o ocorrido nas redes sociais, incluindo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

“Os casos de mortes resultantes de ações policiais nas favelas são alarmantes. Ágatha é a quinta criança morta em tiroteios no RJ neste ano. Ao total, 16 foram baleadas no período”, escreveu Gilmar Mendes no Twitter. “Uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana”, acrescentou.

“Expresso minha solidariedade aos familiares sabendo que não há palavra que diminua tamanho sofrimento”, tuitou Rodrigo Maia. “É por isso que defendo uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no Parlamento”, completou o presidente da Câmara, se referindo a um dispositivo que faz parte do pacote anticrime enviado à Câmara pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

O excludente de ilicitude visa livrar de punições policiais responsáveis por mortes durante operações. A legislação vigente já permite redução de pena ou absolvição em casos de legítima defesa. A nova regra, entretanto, permitiria uma resolução de tais casos sem necessidade de abertura de investigação sobre a conduta do agente de segurança.

Moro argumentou nas redes sociais não haver relação entre a proposta contida em seu pacote anticrime com a morte de Ágatha. Ele, que já havia defendido a investigação do assassinato, classificou como “lamentável e trágica” a morte da garota e ressaltou que “os fatos têm que ser apurados”.

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