Experiências em corpos humanos, antes vistas como distantes e abstratas, são uma realidade concreta em territórios periféricos do Brasil. Ana Flauzina, em Corpos Negros Caídos no Chão, aponta como o sistema penal reflete um projeto estatal genocida, herdeiro da escravidão. Segundo ela, as estruturas sociais brasileiras ainda carregam marcas desse passado, perpetuando a desigualdade e o racismo estrutural.
O termo “cobaias”, definido pelo Dicionário Priberam como “aquilo de que alguém se serve para fazer uma experiência”, levanta um questionamento inquietante: após a formação teórica da polícia militar, sua prática seria buscar cobaias nas periferias para aprendizado? Quem são essas cobaias? Onde estão? No Brasil, um país que reconhece oficialmente ser racista, mas onde poucos admitem isso, é evidente que as cobaias têm cor, classe e endereço. Como Abdias Nascimento denuncia em o Genocídio do Negro Brasileiro, a violência nas periferias é a manifestação contemporânea desse racismo mascarado.
Recentemente, em comunidades do Espírito Santo, a presença ostensiva de policiais militares em “aulas práticas” reverberou denúncias de intimidação e violência. Moradores relatam tentativas de violação do lar, fuzis apontados nos becos e gritos de ameaça. Isso nos leva a refletir: quem são os corpos escolhidos para essas práticas? Sabemos que são os moradores das periferias, mas o que fazer com essa informação?
A “mão invisível” do Estado é bem visível nas comunidades, impondo violência cotidiana. Apesar do cansaço, resistir é essencial. Dados do IBGE mostram que o Espírito Santo ocupa o nono lugar em número de favelas no Brasil. Diante disso, quais políticas públicas de Estado têm sido implementadas para proteger essas vidas?
A campanha “Seu Policial, Eu Não Sou Cobaia: Na Minha Casa Tem Câmera” é uma resposta à realidade de violência e desamparo. Enquanto as câmeras nas fardas da PM não são implementadas, comunidades recorrem ao uso de celulares para documentar abusos, embora isso exponha ativistas a riscos, como agressões e até podendo se chegar a mortes. Como aconteceu com o jovem ativista pelos direitos humanos Adriano e Marly.
Que vidas o aparelho estatal realmente protege? Até quando a violência será tratada como norma nas periferias? Perguntas como essas exigem respostas coletivas e urgentes para romper o ciclo de opressão e desigualdade.
Crislayne Zeferina – Mulher preta em movimento, Formada em Pedagogia, especialista em pedagogia Social e Gestão de Projetos, graduanda em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória (CESV), coordenadora do grupo de estudo Criminologia nas periferias de Vitória realizado pelo Instituto Conexão Perifa, presidente do Instituto Conexão Perifa.
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