Como mulheres escravizadas usaram o acarajé para conseguir liberdade na BA

FONTEPor Camila Silva, de ECOA
Foto: Jonas Eduardo De Santana / Getty Images

Originalmente feito com a massa de feijão-fradinho, cebola e sal, e frito no azeite de dendê, o acarajé, embora hoje seja uma espécie de patrimônio brasileiro, não nasceu aqui no país.

De acordo com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), a receita tem origem no Golfo do Benin (sudoeste da atual Nigéria), na África Ocidental, e chegou ao Brasil no período da escravidão.

A bola de fogo da alforria

O nome acarajé é uma junção de duas palavras na língua iorubá: akará = bola de fogo e jé = comer, ingerir. Assim, acarajé significa “comer bola de fogo”.

No início, o acarajé não tinha fins comerciais, mas estava intrinsecamente ligado à fé dos escravizados africanos no culto dos orixás, em religiões como o candomblé, a umbanda e o vodum. É pela comida que existe a partilha, a homenagem e a comunicação com os orixás.

Aline Chermoula, professora e pesquisadora da cozinha ancestral afrodiaspórica, explica que aqui no Brasil essa dimensão do sagrado se amplia e o acarajé começa a ser uma comida de rua e ter fins comerciais.

É por meio da venda do acarajé, por exemplo, que muitas mulheres conhecidas como “escravas de ganho”, pessoas obrigadas pelos seus senhores a realizar algum tipo de trabalho nas ruas, vão conseguir sua própria alforria ou até comprar a alforria de outros escravizados.

De acordo com um dossiê do Iphan sobre a atuação das escravas de ganho, o acarajé também era usado para o fortalecimento das crianças e idosos doentes, em não era um alimento comum em classes mais ricas.

No Benin, akará. No Brasil, acarajé

No continente africano o bolinho de feijão fradinho é conhecido como “akará”. Ao contrário do consumo no Brasil, ele não é servido com acompanhamentos. A tradição de comer o acarajé junto ao vatapá, o caruru e camarão é criada aqui no Brasil em meados do século 20.

No Brasil, [o acarajé] foi feito de outra forma. Teve uma adaptação. Eu fiquei muito chocado a primeira vez, quando estive em Salvador. Eu vi um acarajé com muitas coisas por dentro. Eu experimentei e gostei muito. Queria comer mais. Mas, como beninense, sigo gostando do jeito que é feito no meu país

Lionel Honfin, artista visual beninense

O artista visual Lionel Honfin mora há 11 anos no Brasil é um dos personagens da série “Origens – Um chef brasileiro no Benin”, na qual o chef João Diamante narra a sua jornada pelo continente africano em busca de entender melhor como a culinária de lá está relacionada com a história do Brasil.

A tradição é a essência do acarajé

A Bahia foi o estado que mais recebeu negros escravizados da região do Golfo do Benin e, hoje, é o mais negro do Brasil. Lá as mulheres que vendem o acarajé ficaram conhecidas como baianas do acarajé. Em 1992, a Abam (Associação Nacional das Baianas de Acarajé) foi criada e é a responsável pela manutenção do modo tradicional de fazer o acarajé, além de compartilhar o seu significado histórico.

No Brasil como um todo, hoje há outras instituições baianas do acarajé que tentam manter viva a tradição. No país, desde 2005, o “Ofício das Baianas de Acarajé” está inscrito no Livro dos Saberes como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

“O acarajé é bem singular. E quando ele se torna um patrimônio imaterial é um reconhecimento da nossa luta do povo negro no Brasil”

Aline Chermoula, professora e pesquisadora
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