Como o poder público pode ajudar a combater a cultura do estupro

Precisamos desnaturalizar as violências. Lutar pela justiça e por uma efetiva rede de promoção, proteção e assistência aos direitos.

Por Márcia Rollemberg, do Huffpost Brasil

As violências praticadas por homens contra meninas e mulheres estão tão presentes no nosso cotidiano que cunhou-se a expressão cultura do estupro, ainda muito debatida entre estudiosos. Quer se denominar Cultura por que expõe um ambiente onde o estupro é comum e atravessa gerações.

É muito perverso achar normal qualquer tipo de violência, assim como colocar as mulheres e as meninas na condição de objeto e não de um sujeito de direitos.

O que torna a situação mais alarmante é saber que, segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), cerca de 70% dos casos de estupros ocorrem no próprio lar, onde a vítima deveria se sentir amparada e segura. Sendo os agressores os maridos, pais, avôs, padrastos, tios e parentes próximos.

O estupro é crime e se caracteriza pela prática não consensual do sexo, imposta por violência ou ameaça de qualquer natureza. Qualquer forma de prática sexual sem consentimento, envolvendo ou não penetração, configura estupro.

A violência praticada por homens contra meninas e mulheres inclui as abordagens ofensivas ou com apelo sexual indesejado, coerção, violência física e desqualificação intelectual, um conjunto de condutas punidas pela justiça, assim como o estupro.

Os homens, ao se sentirem à vontade para tais condutas, atentam contra os direitos e a liberdade sexual das mulheres, pois liberdade é poder de escolha. E as mulheres, diante da força física, do medo, do sentimento de impotência, não têm essa escolha. É como se toda a recusa não tivesse nenhum significado.

Mesmo acuadas, meninas e mulheres vêm rompendo o medo de denunciar e decidem não se calar mais. Elas lutam contra essa lógica perversa, na contramão da naturalização da violência masculina.

Os obstáculos são históricos como o julgamento moral, as acusações de toda ordem, inclusive o absurdo de dizer que a mulher provocou o ato de violência sexual.

Precisamos desnaturalizar as violências. Lutar pela justiça e por uma efetiva rede de promoção, proteção e assistência aos direitos. Precisamos lutar por uma educação de valores, de novas referências para meninos e meninas que precisam romper o ciclo geracional dessa violência.

Ao vivermos os 16 Dias de ativismo mundial contra a violência de meninas e mulheresconstatamos mudanças de comportamento, de cultura, o que fez aumentar os registros de casos de violência sexual em vários estados. O que, à primeira vista, pode parecer uma epidemia é a constatação de uma realidade ainda invisível.

O Distrito Federal possui a maior rede de serviços especializados para o acolhimento e atendimento a vítima de violência do Brasil. Com a Casa da Mulher Brasileira, são 19 programas de atendimento à violência com psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais. Juntos com a significativa rede de trabalhos sociais e voluntários fazem mais de 25 mil atendimentos por ano.

Brasília inova também por possuir o único programa de atendimento para adultos autores de violência sexual no Brasil e também outro para o atendimento aos adolescentes autores de violência sexual.

A proposta é trabalhar na perspectiva de atendimento integrado, acolhendo e atendendo vítimas em todos os ciclos de vida (crianças, adolescentes, mulheres, homens e idosos), com abordagem também para os agressores e os familiares, promovendo intervenções em todo o ciclo da violência.

Nesse processo de luta para acabar com a violência masculina contra meninas e mulheres e mudarmos esse lado obscuro da história, é essencial contar com o envolvimento de toda a sociedade. Precisamos educar as novas gerações, os filhos e filhas de um tempo que começa já, em que o passado seja superado. Somos capazes de construir no presente um mundo melhor e vencer o medo, o que para muitas é ainda o primeiro passo.

 

+ sobre o tema

STJ regride Lei Maria da Penha

Um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que...

“Se a bandeirinha é bonitinha, que vá posar na Playboy”

A agressão verbal contra a auxiliar Fernanda Uliana prova...

para lembrar

ONU cita Lei Maria da Penha como pioneira na defesa da mulher

Sancionada em 2006, a lei aumentou as punições em...

Analise da lei do estupro

Introdução O vil delito de estupro, que sempre representou a...

Mulheres denunciam violência de gênero crescente em todo o país

Mais de meio milhão de mulheres são estupradas todos...
spot_imgspot_img

Homem é preso em Manaus suspeito de matar grávida por não querer filho negro

A Polícia Civil do Amazonas prendeu em Manaus um homem apontado como sendo o assassino de sua ex-namorada grávida de sete meses. As investigações, segundo a corporação,...

Violência política contra as mulheres é estratégia de ataque à democracia, diz especialista

Neste 25 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Brasil se depara com um número alarmante. Segundo pesquisa elaborada...

Evitar sair à noite, compartilhar localização: maioria das mulheres adota medidas para driblar insegurança no Brasil, diz pesquisa

Oito em cada dez mulheres que vivem no Brasil adotam estratégias de segurança no cotidiano para se deslocarem em suas cidades, aponta uma nova pesquisa...
-+=