Desigualdade de emprego entre famílias brancas e negras com filhos pequenos mais que triplicou no ano passado

Levantamento da TV Globo mostra que queda na taxa de ocupação dos pais entre 2019 e 2020 foi maior entre pretos, pardos ou indígenas, e entre as famílias com menor escolaridade.

FONTEPor Ana Carolina Moreno, Filipe Gonçalves e Malu Mazza, do G1
(Foto: VINICIUS NUNES/AGÊNCIA F8/ESTADÃO CONTEÚDO)

No ano passado, a pandemia agravou a desigualdade racial entre as famílias com crianças de zero a seis anos, segundo dados levantados pelo Insper com base na Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e obtidos com exclusividade pela TV Globo.

Entre os pais brancos e amarelos, a taxa de ocupação caiu de 76,2% para 71,1% entre o segundo trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020. Entre os pretos, pardos e indígenas, a queda foi de 73,6% para 61,8%.

A distância entre os dois grupos mais do que triplicou na pandemia, de 2,95 para 9,38 pontos percentuais. A recuperação também tem sido mais lenta neste último grupo: o patamar mais recente, do segundo trimestre de 2021, ainda perde para todos os anos entre 2012 e 2019.

Nas famílias brancas e amarelas, o patamar atual, de 74,1%, já é mais alto do que o registrado em 2017. Mas o dos pretos, pardos e indígenas ainda estava em 68,6% na edição mais recente da pesquisa, o que significa que mesmo hoje, durante o início da retomada econômica, a situação desse grupo ainda é pior do que a dos brancos e amarelos em plena primeira onda da pandemia.

“Mãe, mulher, negra. Tem esse grande risco de ficar fora do mercado”, resume Maria Salette Mattoso da Costa, de 41 anos, que perdeu o emprego em março deste ano depois de retornar da licença-maternidade. Mesmo com ensino superior completo e com berçário garantido para a filha Aisha, de um ano, a analista contábil ainda não conseguiu outra vaga de trabalho.

Segundo o economista Naercio Menezes Filho, pesquisador do Insper responsável pelo levantamento, a desigualdade na taxa de ocupação tem efeito direto no desenvolvimento das crianças, já que o nível socioeconômico das famílias é um dos fatores que mais influenciam o desempenho escolar e o acesso a oportunidades.

“Você tem um efeito da pandemia muito grande na desigualdade, que está afetando de forma muito forte as crianças mais pobres”, afirmou à TV Globo.

“Isso vai ter um efeito ao longo do tempo. Se nada for feito, se você não tiver políticas urgentes para atenuar esses efeitos, essas crianças vão crescer, vão continuar na pobreza, vão precisar de programas sociais. Seus filhos vão nascer com mais dificuldade de acesso também, e vão ficar mais distante da igualdade de oportunidades.” (Naercio Menezes Filho, pesquisador do Insper)

Desigualdade x escolaridade

O levantamento também analisou a situação das famílias com crianças pequenas separando-as entre o nível de escolaridade dos pais.

O histórico mostra que não é recente a desigualdade na taxa de ocupação entre as famílias com pelo menos o diploma do ensino médio, e os pais em não chegaram a terminar os 12 anos de ensino básico. Mas a pandemia fez a discrepância chegar a 16,5 pontos percentuais em São Paulo, a maior distância entre os dois grupos nos últimos dez anos e uma alta de 57% em relação a 2019, quando a diferença foi de 10,5 pontos percentuais.

As autônomas Alexandra Bessa Dantas e Natália Pereira já trabalhavam por conta antes da pandemia no setor de festas e eventos. Sem o ganha-pão, acabaram não tendo mais como pagar aluguel. Ambas vivem com as famílias há três meses na ocupação Nova Canudos, no Jardim Líder, na Zona Norte de São Paulo.

“A gente trabalha por conta, trabalha com festas e eventos e por conta da pandemia parou tudo”, afirmou Natália, que vive na ocupação com o marido e os filhos, e tem o Bolsa Família como única renda. “Então a gente não estava tendo trabalho, e a gente pagava 600 reais de aluguel. A gente morava em um cômodo, aí apertou.”

Ensino remoto é prejudicado

A mudança para a ocupação afetou ainda mais a situação escolar das crianças das duas famílias.

Alexandra, que faz bolos para festas, e o marido, que é borracheiro e atualmente tem renda de cerca de R$ 150 com bicos, têm dois filhos, um de onze e outro de seis anos, que só conseguiam fazer parte das atividades escolares remotamente.

17% das crianças em famílias onde os pais não completaram o ensino médio não fizeram atividades escolares remotas — Foto: Tamarcus Brown / Unsplash

“Ele estava começando a conhecer as letras, os números, estava gostando de ir pra escola”, explicou ela sobre o mais novo, Felipe Gabriel, que nesta quinta-feira (7) voltou ao ensino presencial pela primeira vez desde março do ano passado. Atualmente, ele está na pré-escola, na fase de pré-alfabetização. “A gente torce que ele consiga recuperar esse tempo perdido”, afirma a mãe.

Segundo dados da Pnad Covid, 17% das crianças em famílias onde os pais não completaram o ensino médio não fizeram atividades escolares remotas. Entre as famílias com escolaridade mais alta, essa porcentagem cai para 13%.

“Se as pessoas têm ensino superior, por exemplo, elas conseguem trabalhar de casa, inclusive ajudando seus filhos no estudo on-line”, explicou Menezes Filho, do Insper. Se você trabalha na rua com atendimento, no setor de serviços pessoais, como cabeleireiro, às vezes como empregada doméstica, garçom, vendedor, você não tem essa possibilidade e ao mesmo tempo você tem que ficar em casa com seu filho, então você larga o emprego”, explicou ele.

Políticas para desigualdade

Além disso, de acordo com o pesquisador, programas de transferência de renda têm sido incapazes de resolver o problema sozinhos. De acordo com os dados, no Estado de São Paulo, 35,8% das famílias elegíveis ao Bolsa Família não estão contempladas pelo programa, e 24% das famílias com crianças de zero a seis anos continuam em situação de pobreza mesmo após receber o benefício.

Cédulas de real e uma calculadora ao lado de contas. — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Ele defende, por exemplo, políticas voltadas à redução do prejuízo escolar, principalmente entre as crianças em situação mais vulnerável.

“Você tem que ter políticas para acelerar esse aprendizado agora, senão você vai ter essa desigualdade ampliada no futuro, e isso é para sempre. Porque elas vão ficar atrasadas, vão repetir de ano, vão saindo da escola mais cedo, abandonando a escola, não conseguem entrar no mercado de trabalho formal. E é um ciclo que vai se perpetuando, a desigualdade vira permanente.” (Naercio Menezes Filho)

Formado em administração, Luiz Fernando de Jesus tem cinco filhos com a ex-mulher, a mais nova com apenas cinco anos. No ano passado, ele acabou perdendo o emprego no setor hoteleiro por causa da pandemia, precisou sair da casa que alugava e ainda não conseguiu um novo trabalho. Negro, ele diz que sua estratégia é tentar buscar vagas em empresas com políticas inclusivas.

“Eu tenho priorizado me candidatar em vagas de empresas que adotaram práticas inclusivas, prática de responsabilidade social, de inclusão, com recorte étnico-racial, LGBTQI+, que tenham visão de diversidade, porque essas empresas estão mais abertas a te olhar com um olhar diferenciado.”

Enquanto não consegue um novo emprego para retomar a renda, ele ocupa o tempo como empreendedor social, fazendo trabalho voluntário com jovens em situação de pobreza, para tentar garantir outro futuro para eles.

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