Discriminação está por todo sistema criminal, afirma estudo

O preconceito contra negros e pobres continua, mesmo que velado, no sistema criminal brasileiro. Segundo estudo da Faculdade de Direito (FD) da USP, a atuação da polícia e as decisões de juízes sobre quais infratores podem ou não usufruir do direito a penas alternativas ainda se baseiam em perfis raciais e socioeconômicos discriminatórios, oriundos do século 19.

A advogada Ísis Aparecida Conceição, responsável pelo estudo, explica que o sistema criminal brasileiro foi influenciado por um modelo judicial positivista, “que institui o crime como uma doença e que tem a pretensão de conseguir prever o perfil do criminoso por seus traços físicos e raciais. Este tipo de abordagem penal foi recebido como teoria no Brasil num período concomitante ao do fim da escravidão, no final do século 19, e está carregada de preconceitos”, analisa.

Para a advogada, o ‘perfil do suspeito padrão’ com que a polícia trabalha — um perfil formado por cidadãos negros ou pardos e pobres — é uma herança de dois séculos atrás, que ainda sobrevive. “Estes perfis estão impregnados no inconsciente coletivo e são reforçados pela mídia, nos programas da tarde relacionados às ações policiais, que sempre apresentam a mesma ideia de criminosos”, constata a pesquisadora. “Isso faz com que certos grupos de pessoas sejam mais observados e abordados e explica porque as corporações se apegam a estereótipos na hora de efetuar blitze e revistas.”

Penas alternativas

O estudo também revela que o sistema de penas alternativas mantém a discriminação e seletividade racial que faz parte do sistema penal brasileiro — uma instituição que desempenha papel estruturante no sistema de controle da sociedade. “A seletividade não está apenas no início do sistema, com os estereótipos reproduzidos pelas corporações policiais e na sociedade. A discriminação também está no final do sistema, nas decisões, se reproduzindo como algo estrutural de todo o sistema criminal brasileiro, mesmo em espaços onde são implementadas políticas de direitos humanos”, argumenta.

As afirmações da pesquisa Os limites dos direitos humanos acríticos em face do racismo estrutural brasileiro: o programa de penas e medidas alternativas do Estado de São Paulo são reforçadas pelas estatísticas de três institutos e organizações distintas. De acordo com dados de 2007, da Secretaria Municipal de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, apenas 20, 1% dos condenados a penas alternativas eram pretos e pardos. Enquanto que este grupo representava, no mesmo ano, 35,78 % do total de detentos em penitenciárias no Estado de São Paulo, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Além disso, informações da Pesquisa Nacional de Domicílios (PENAD) mostram que negros e pardos representam cerca de 31% da população do Estado de São Paulo. “Se compararmos o percentual de população negra e parda do estado e o percentual destas mesmas populações em presídios paulistas, o ‘perfil de suspeito padrão’ se mostra ainda presente”, afirma.

Segundo ela, estes dados mostram que as penas alternativas são aplicadas em infratores que possuem uma melhor condição socioeconômica e que são brancos. “Quando relacionamos e comparamos estes três dados, notamos que existe uma super representação de negros entre os encarcerados e uma subrepresentação entre os que cumprem penas alternativas. Isso comprova que as penas alternativas são concedidas sob critérios discriminatórios”, constata.

Atualmente, as penas alternativas funcionam como substitutos penais aplicados à crimes considerados brandos, que trocam a detenção em presídios por prestação de serviços ou interdição temporária de direitos. Este instrumento legal também tem como objetivo evitar a superlotação das prisões paulistas. O estudo de Ísis foi orientado pela professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente, da Faculdade de Direito da USP.

 

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Fonte: Agência USP

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