É imoral que o Brasil não defenda a maternidade voluntária

Um país como o Brasil, que não defende a maternidade voluntária – o direito a ter os filhos que desejar e a não ter os indesejados/inesperados –, fortalece o fundamentalismo religioso de todos os matizes e joga água no moinho do patriarcado.

Por Fátima Oliveira, do O Tempo 

Causa desconforto a entrevista da presidente Dilma ao canal francês France24, afirmando que o Estado não deve entrar na questão do aborto (8.6.2015). Ao France24, ela declarou ainda: “Hoje, no Brasil, a lei permite em alguns casos importantíssimos. Quando há má-formação ou quando há violência contra a mulher… Se você fizer hoje uma enquete, é possível que nem todas as mulheres defendam isso. Eu acho que é uma questão na qual o Estado não tem de entrar agora. Nós temos de guardar o que pensamos para nós, não temos que entrar nessa área”.

O que estarrece quem apoia a republicana liberdade reprodutiva é que ela perdeu uma ótima oportunidade de ficar calada, já que foi incapaz de defender o Estado laico! Repito: “No atual governo, o Brasil patina quando instado a referendar sua laicidade e a agenda republicana, e o faz às custas dos corpos das brasileiras, não fugindo à regra fundamentalista de santificar a maternidade e de satanizar as mulheres. Ai, meus sais!” (“O dom ou o carma de assuntar peripécias na encruzilhada”, O TEMPO, 3.1.2012).

Relembro: “É imoral que SUS, que se diz de acesso universal, continue negando às cidadãs o direito ao aborto quando elas precisam. É o SUS quem define sua prática como de cobertura não universal ao determinar quais procedimentos podem ser feitos. A exclusão do abortamento voluntário torna o princípio da universalidade do SUS uma miragem” (“Urge superar o patriarcado nas sociedades democráticas”,O TEMPO, 23.9.2008).

Em qual país vive Dilma Rousseff, que não vê a mobilização de fundamentalistas evangélicos, apoiados pelos católicos, para inserir na Constituição Federal “o direito à vida desde a concepção”? A mais recente é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 29/2015, do senador Magno Malta (PR-ES), que altera o artigo 5º da Constituição, garantindo a inviolabilidade do direito à vida “desde a concepção”.

Leia Também:  Fragmentos da luta pela maternidade voluntária no Brasil

A PEC 29/2015 foi assinada pelos senadores Acir Gurgacz, Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira, Álvaro Dias, Antonio Anastasia, Antônio Carlos Valadares, Ataídes Oliveira, Blairo Maggi, Cássio Cunha Lima, Delcídio do Amaral, Elmano Férrer, Eunício Oliveira, Fernando Ribeiro, Flexa Ribeiro, Garibaldi Alves Filho, Gladson Cameli, José Agripino, Lasier Martins, Luiz Henrique, Paulo Paim, Paulo Rocha, Raimundo Lira, Reguffe, Ricardo Ferraço, Roberto Requião, Romário, Rose de Freitas e Walter Pinheiro. Eis proposta da PEC 29/2015: “Altera a Constituição Federal para acrescentar no art. 5º a explicitação inequívoca ‘da inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção’”.

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do parágrafo 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: Art. 1º – O caput do artigo 5º passa a ter a seguinte redação: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (NR)”.

E agora, Dilma? “A gente tem a eternidade para descansar” (Tancredo Neves) ou “nós sempre teremos Paris” (Humphrey Bogart)?

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