Elas geram riqueza mas não são devidamente reconhecidas e remuneradas

Estudo discute importância do trabalho doméstico da mulher na economia e a urgência por políticas públicas

Da Oxfam Brasil 

Foto: Jupiterimages/Goodshoot/Getty Images

Qual a importância do trabalho da mulher na economia brasileira? Quais as políticas públicas necessárias para promover a autonomia econômica e pessoal das mais de 100 milhões de mulheres brasileiras? Elas têm peso cada vez na geração de riqueza do país, mas ainda não vêm suas atividades devidamente reconhecidas e remuneradas, principalmente quando o assunto é trabalho doméstico e de cuidado de idosos e crianças. Os desafios são enormes.

“Não raras são as vezes em que as mulheres são compelidas a abandonarem seus empregos para se dedicarem a um membro da família enfermo ou que necessita de cuidados, ou até mesmo fazer escolhas que permitam melhorar a conciliação do trabalho produtivo e reprodutivo”, afirma Marilane Teixeira, economista e doutora em desenvolvimento econômico e pesquisadora na área de relações de trabalho e gênero. Ela é autora do estudo “Empoderamento Econômico das Mulheres no Brasil – Pela Valorização do Trabalho Doméstico e do Cuidado”, em parceria com Nalu Faria, psicóloga e coordenadora da Sempre Viva Organização Feminista (SOF), e apoio da Oxfam Brasil.

O estudo sugere algumas propostas de políticas públicas para as mulheres envolvidas com trabalho doméstico e de cuidados, urbanas e rurais. “Dar visibilidade a esse trabalho é uma forma de reconhecer o valor do trabalho feminino para a sustentabilidade da vida humana e, portanto, uma obrigação de toda a sociedade – e não apenas do público feminino”, diz Marilane, que nos concedeu esta entrevista para falar sobre o estudo:

Quais são os principais entraves hoje para o empoderamento econômico das mulheres no Brasil?

Parte-se da constatação de que a sociedade está fundada em uma estrutura dicotômica que, além de separar as duas esferas pública e privada, hierarquiza e atribui papéis sociais diferenciados para mulheres e homens. Essa assimetria gera uma desigual repartição entre os sexos em todas as esferas da vida, e leva a um questionamento sobre os limites conceituais inerentes à definição da própria participação da força de trabalho feminina e os seus condicionamentos, marcados por práticas sociais discriminatórias que desfavorecem a integração das mulheres na estrutura produtiva, ao mesmo tempo em que reforçam o seu papel reprodutivo, fortalecendo a divisão sexual do trabalho que se expressa nos mais distintos âmbitos da vida e, no mercado de trabalho, na sua desproporcional participação em ocupações a que são conferidas características próprias, na maioria das vezes, associadas unicamente ao sexo dos indivíduos.

Neste sentido, negligenciam-se as motivações que levam as mulheres a se incorporarem nos empregos mais precários e o quanto as suas “escolhas” estão determinadas por suas condições materiais e pelos novos arranjos familiares, distantes de modelos formais e tradicionais de famílias. As mulheres são compelidas a postos de trabalho mais precários na tentativa de conciliar a atividade produtiva e reprodutiva em contextos em que não há compartilhamento das responsabilidades familiares e ausência de políticas públicas. Por outro lado, se reconhece a existência de uma relação específica entre o processo de produção e reprodução social, por meio do trabalho doméstico não remunerado, fundamental para o funcionamento de um sistema econômico que se mantém com o enorme volume de trabalho não pago realizado pelas mulheres e que garante a funcionalidade do sistema.

Portanto, alterar as condições em que se dá a socialização do trabalho doméstico não remunerado, por meio, do compartilhamento das tarefas de reprodução social e alterar a estrutura produtiva de forma que a produção de bens públicos seja prioridade para libertar as pessoas de determinadas obrigações, principalmente com a tarefa de cuidados, são indicações que podem contribuir para uma nova perspectiva para as mulheres.

Como o Estado pode contribuir para tornar o trabalho doméstico no Brasil mais equitativo e valorizado?

Afrontar a profunda desigualdade em relação ao trabalho doméstico e de cuidados pressupõe problematizar uma possível visão homogênea dos quatro níveis de provisão de cuidados: família, mercado, Estado e comunidade. Em particular é fundamental reforçar o papel do Estado e buscar diminuir o papel do mercado. Essa perspectiva inclusive é o que poderá contribuir para que as políticas de conciliação sejam mais efetivas para garantir um horizonte de alteração das bases da desigualdade de classe, raça e gênero.  Essa proposição está vinculava à compreensão que a lógica do mercado, de acumulação é incompatível com a lógica de colocar o cuidado no centro, como prioridade.

Para tanto há que ampliar a oferta de creches e escolas em período integral garantindo a dimensão de um projeto pedagógico que reforce a igualdade de gênero, mas que também garanta a dimensão da alimentação, elemento fundamental para diminuir as tarefas no interior das casas. Da mesma maneira é imprescindível que sejam efetivadas outras políticas públicas de saúde, por meio de redes de assistência social; a estruturação de redes de serviços de cuidados de longa duração para a população idosa; políticas de saneamento e habitação, somente em 2014 foram concedidas 3,5 milhões de unidades habitacionais, sendo 1,8 milhão para famílias de baixa renda, as mulheres representavam 80% dos contratos firmados no programa Minha Casa Minha Vida; transporte público de qualidade uma vez que são as mulheres e os jovens os principais usuários.  As evidências demonstram que quanto maior o acesso à infraestrutura melhores são as condições para a provisão do trabalho de cuidados no âmbito das famílias.

Quais as principais políticas públicas necessárias para a correta valorização do trabalho doméstico no Brasil?

Não raras são as vezes em que as mulheres são compelidas a abandonarem seus empregos para se dedicarem a um membro da família enfermo ou que necessita de cuidados, ou até mesmo fazer escolhas que permitam melhorar a conciliação do trabalho produtivo e reprodutivo. Essas responsabilidades precisam ser redimensionadas e compartilhadas com o poder público, mas para isso é necessário a construção de novos valores com menos mercado e mais cuidado com a vida humana.

Uma das políticas públicas mais importantes e que favorece diretamente as mulheres mais pobres e contribui para melhorar a sua inserção no mundo do trabalho é a oferta de creches públicas em horários compatíveis com a jornada de trabalho. Recentemente o IBGE divulgou um suplemento sobre os cuidados de crianças com menos de 4 anos de idade com base nos dados da PNAD de 2015. Os resultados indicaram que das 10,3 milhões de crianças com menos de 4 anos de idade, 74,4% não estavam matriculadas em creches ou escolas. Sendo que entre os responsáveis, as mulheres (83,8%) eram ampla maioria e, em torno de 45,0%, estavam ocupadas.

Dentre o universo de crianças nessa idade que não estavam matriculadas, 61,8% dos responsáveis manifestaram interesse em fazê-lo. O interesse crescia entre os estratos de renda de até 1 salário mínimo e 43,2% indicou que havia tomado alguma providência nesse sentido.

A política de creches é um aspecto fundamental para a condição de inserção e permanência das mulheres no mercado de trabalho. O Plano Nacional de Educação estabeleceu como Meta 1 universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência do PNE (2024). Em 2013 a cobertura era de 23,2% dessas crianças, praticamente dobrou a oferta entre 2004 e 2013.  Somente entre 2014 e 2015 foram ofertadas mais de 1 milhão de vagas.

Entretanto, o orçamento para educação infantil sofreu uma forte redução de 2014 para 2017, passando de R$ 1.901,9 bilhões para R$ 332,3 milhões em valores nominais representa 17% dos recursos de 2014.

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