Entrevista com Luiza Bairros, ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

De passagem por Salvador, a ministra tratou sobre temas diversos e afirmou que o Estatuto da Igualdade Racial trouxe avanços

Gilvan Reis

No momento em que a desconfiança ronda alguns do principais ministros do governo da presidente Dilma Rousseff, Luiza Bairros, chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), parece ser um contraponto. A ministra, de passagem por Salvador para cumprir agenda oficial, foi uma das autoridades políticas mais aplaudidas na abertura do Encontro Iberoamericano do Ano Internacional dos Afrodescendentes (Afro XXI), na última quinta-feira (17).

No dia seguinte, recebeu da Câmara de Vereadores de Salvador, a medalha Zumbi dos Palmares, honraria outorgada somente a pessoas, grupos ou entidades que se destacam no combate às práticas de racismo e na defesa da cultura afro-brasileira. Por onde transitou, foi reverenciada por ativistas , intelectuais, chefes de estado de diversas partes da América Latina, representantes do governo, parlamentares e sociedade civil. Há menos de um ano à frente da Secretaria, Luiza se destaca pelo bom trânsito entre os diferentes grupos do segmentado movimento negro.

Filha de militar, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a doutora em Sociologia pela Michigan State University iniciou a vida política na década de 70, quando envolveu-se com o Movimento Negro Unificado (MNU). Dentro das principais ações já realizadas, constam a participação no Projeto Raça e Democracia nas Américas: Brasil e Estados Unidos, o trabalho desenvolvido em programas das Nações Unidas contra o racismo em 2001 e em 2005 e também o trabalho no Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID). Nessa entrevista concedida ao iBahia, Luiza trata de temas como racismo e as políticas públicas que vem sendo promovidas durante a sua gestão.

A senhora nasceu no Rio Grande do Sul, viveu muito tempo na Bahia e circula por todo o país. No Brasil, existem diferenças entre ser negro aqui em Salvador ou ser negro em Porto Alegre?

Claro que a forma como o racismo se manifesta em diferentes lugares é bastante diversa. No Rio Grande do Sul, existe uma situação em que os negros são minoria e isso causa uma relação muito grande em relação a outros Estados, como a Bahia. E eu acredito que nesses lugares existem mecanismos diferentes para discriminar as pessoas negras.

No Rio Grande, você tem uma sociedade extremamente segregada, mas na Bahia, mesmo sendo a maioria da população, os negros se encontram numa situação de vulnerabilidade mais elevada. Em cada lugar isso se manifesta de forma diferente, e não há vantagem nenhuma em termos territoriais. O que é necessário é conhecer os mecanismos daquela sociedade e aprender a se defender das situações que lhe são apresentadas.

Depois de receber a medalha Zumbi dos Palmares e de ter completado décadas de militância, a senhora acredita que ainda poderá ver o Brasil livre do racismo?

Essa medalha é extremamente importante. Eu acho que todas as pessoas que receberam até agora ficaram felizes e honradas com isso e eu me coloco na mesma situação. Espero daqui para frente merecer essa medalha. Sabemos que Zumbi dos Palmares é uma referência muito forte e muito importante para todos nós e que permeia as nossas lutas. Mas também temos conhecimento de que o racismo é um fenômeno muito elástico. Ele vai se adaptando sempre a situações novas e isso nos distancia do dia em que viveremos numa sociedade onde as pessoas sejam iguais independentemente da raça. Agora, o que nós temos que continuar fazendo é apostar na derrota do racismo. E isso é fundamental. Porque sem essa percepção a gente não pode trabalhar para promover a igualdade entre as pessoas.

O Estatuto da Igualdade Racial já está em vigor desde o ano de 2010. Desde a aprovação até hoje, ele tem sido alvo de críticas por parte de ativistas do movimento negro. Depois do Estatuto, existiram avanços para a igualdade?

O Estatuto foi aprovado em julho de 2010 e passou a ter vigência em outubro do mesmo ano. Então, neste um ano, ele, foi para a Seppir, de grande utilidade. Através dele trabalhamos com todos os ministérios o processo de elaboração do plano plurianual 2012-2015. O Estatuto criou determinadas obrigações para o setor público e, nesse sentido, foi interessante a gente contar com esse instrumento para o nosso trabalho. Ele permitiu fazer com que os demais ministérios estejam cientes e cumpram o que estava previsto. Nesse sentido, a existência dele permitiu avanços para o nosso trabalho.

Recentemente, o ex-Ministro do Esporte, Orlando Silva, foi alvo de denúncias de irregularidades. Independente da conclusão do processo, para um ministro negro as cobranças são maiores ou a exigência perpassa pelos mesmo critérios?

Não tenho dúvidas com relação a esse ponto. um cargo de ministro ou em qualquer posição que historicamente foi sempre ocupada por pessoas brancas existe uma diferença enorme. Existe uma forma de julgar o nosso desempenho, o nosso trabalho, que é sempre muito mais rigorosa e é assim em todas as atividades. Eu acredito que, em posições como essa de ministro que gera maior visibilidade, obviamente a vigilância da sociedade sobre o trabalho é muito maior, mais rígida do que em relação a qualquer outra área. Isso se reflete todos os dias no nosso trabalho, no nosso cotidiano.

Existe quase uma certa unanimidade em acreditar que a igualdade racial não seria alcançada somente com uma Secretaria. Que tipos de parceria a Seppir vem articulando com outros Ministérios? Com o Ministério da Justiça, por exemplo?

Nós acabamos de concluir um texto bastante amplo com ações que incluem o Ministério da Justiça. Isso foi, inclusive, bastante discutido por todo o ministério. Criamos, na verdade, um protocolo de intenções que passou pela avaliação de todos os setores do Ministério da Justiça. E todos os setores concordaram em trabalhar conosco no sentido de construir a igualdade racial no país, combatendo o racismo em múltiplas frentes. Uma das maiores questões se refere ao sistema prisional. É uma realidade que encontramos em praticamente todo o Brasil. Por isso, foi criado um comitê para avaliar esse ítem e nós da Seppir fazemos parte deste grupo. Estamos procurando discussões com diversos grupos no sentido de buscar soluções e políticas públicas.

De um modo geral, como tem sido feito o trabalho da Seppir?

Em cada estado ou em cada município, nós trabalhamos com o órgão local ou estadual de promoção da igualdade racial e a nossa pauta de trabalho nesse lugar é sempre proposta pelos gestores municipais ou estaduais. Isso nos preserva sem dúvida alguma de cometer erros, de criar fórmulas gerais para serem aplicadas em todos os lugares e isso realmente não existe.

Fonte: IBahia

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