Especialistas expõem seus argumentos na audiência pública sobre ensino religioso

Na sequência de apresentações da audiência pública sobre ensino religioso nas escolas públicas, realizada no Supremo Tribunal Federal, foram programadas para o período da tarde mais 17 exposições de especialistas. Confira os principais pontos defendidos pelo primeiro bloco de representantes a se pronunciar.ANIS – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

por Agência STF no Olhar Direto

Ilustração: Felipe Lima

A estabilidade do princípio da laicidade do Estado brasileiro depende da regulação não confessional da disciplina ensino religioso nas escolhas públicas, afirmou a professora Débora Diniz, representante do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis). A laicidade, segundo ela, é o princípio que protege, garante e promove a liberdade de crer e não crer e garante os princípios da igualdade e da não discriminação, além do valor democrático da justiça religiosa. E, de acordo com a professora, somente o ensino não confessional é capaz de manter o compromisso constitucional da educação pública como um direito social.

Em sua exposição, ela ressaltou que o ensino religioso é a única disciplina cujo material didático não é regulado nem avaliado pelo MEC. Em 2010, disse a professora, o Anis fez um estudo sobre os materiais didáticos de ensino religioso confessional disponíveis no mercado editorial brasileiro. E, nesses livros de ensino confessional, tão grave quanto a violação à justiça religiosa no ensino religioso, foram as evidentes expressões de discriminação, em nome da fé, contra a população formada por pessoas não heterossexuais e as pessoas deficientes, frisou a especialista.

Observatório da Laicidade na Educação

Para o professor Luiz Antônio da Cunha, representante do Observatório da Laicidade na Educação, a existência da disciplina ensino religioso na Constituição Federal é um retrocesso na construção da República em nosso país. Mas como a própria Constituição determina sua oferta, o professor disse entender que a disciplina deve ser oferecida como facultativa, e não como obrigatória. “Os dados da Prova Brasil de 2013 são eloquentes quanto à obrigatoriedade do ensino religioso no país”, revelou Cunha. O estudo apontou que 70% das escolas públicas de ensino fundamental ministravam aulas de ensino religioso, sendo que, desse universo, 54% confessaram exigir presença obrigatória nas aulas e 75 não ofereciam atividades para alunos que não queriam assistir a essas aulas.

Entre outros pontos, o professor defendeu que o ensino religioso deve ser não confessional, oferecido como disciplina e não como tema transversal, apenas no último ano do ensino fundamental, e sem qualquer caráter proselitista. Enfatizou ainda a necessidade de alternativas para os alunos que não queiram frequentar essas aulas.

Virgílio Afonso da Silva, Amicus DH

O representante da Amicus DH – Grupo de Atividade de Cultura e Extensão da Faculdade de Direito da USP, professor Virgílio Afonso da Silva, disse que, após pesquisas e debates, o grupo chegou à conclusão de que a ADI 4439 deve ser julgada procedente. É necessário que se adote um modelo absolutamente não confessional de ensino, em que as crianças tenham contato com diferentes histórias, culturas e práticas religiosas, argumentou. Só desse modo será possível criar espaço para uma formação baseada na tolerância religiosa e na igualdade de crenças dentro de um país plural como o Brasil.

Desde 1891, todas as constituições brasileiras consagraram o princípio da laicidade estatal, lembrou o representante da DH. Para ele, a única forma de respeitar esse princípio seria a ausência de ensino religioso nas escolas públicas. Mas como a própria Carta prevê, a disciplina deve ser não confessional, única forma de se adequar ao princípio do Estado laico. Além disso, considerou prudente que seja oferecido apenas para crianças com mais de 12 anos, quando já possuem maior capacidade crítica. E ainda que seja ofertada como optativa, incluindo um catálogo de outras disciplinas para escolha.

Conectas Direitos Humanos

O diretor da Conectas Direitos Humanos, professor Oscar Vilhena Vieira destacou a relevância da liberdade religiosa “como pedra fundamental não só do Estado Democrático de Direito, mas como pedra angular da possibilidade de existência pacífica em sociedades complexas e plurais”, disse. O professor salientou que a liberdade religiosa talvez tenha sido o primeiro dos Direitos Humanos concebidos pela modernidade, sendo responsável pela pacificação e pelo fim das guerras religiosas no continente Europeu. “Onde a liberdade religiosa não chegou, continuamos vivendo em ambientes de profunda intolerância”, afirmou.

Para a instituição, “o princípio da laicidade do Estado é politico e está ancorado em uma regra que proíbe qualquer forma de subversão, de apoio, de comportamento estatal que favoreça a religião, o proselitismo, a atuação confessional”, sustentou. Permitir o ensino religioso nas escolas públicas seria, para o professor, exceção a esta regra. “A preocupação fundamental é de que o Estado não possa lotear o sistema educacional para cultos e religiões”, disse.

Comissão Permanente de Combate às Discriminações e Preconceitos de Cor, Raça, Etnia, Religiões e Procedência Nacional da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

Na sequência, o representante da Comissão Permanente de Combate às Discriminações e Preconceitos de Cor, Raça, Etnia, Religiões e Procedência Nacional, deputado estadual Carlos Minc (PT), afirmou ser incompatível o ensino religioso confessional com o princípio do não proselitismo. Segundo o deputado, a Constituição Federal veda o financiamento ou subsídio a qualquer religião. “Estamos falando de dinheiro público pago pelos contribuintes financiando a doutrinação, a pregação religiosa de religiões específicas”, declarou.

Segundo Carlos Minc, nove pesquisas sobre religião nas escolas apontam as aulas de orientação confessional como um dos principais meios de intolerância religiosa nas escolas brasileiras, sobretudo contra alunos de religiões africanas e do sexo feminino. “A defesa necessária da liberdade religiosa se acentua com a defesa da laicidade. Como é dado, o ensino religioso acaba sendo um instrumento de intolerância”, disse.

Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação

Para o pesquisador Salomão Barros Ximenes, representante da Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação, o ensino religioso é, muitas vezes, porta de entrada para violação aos direitos e às liberdades fundamentais e obstáculo à implementação de algumas diretrizes obrigatórias de direito à educação, como o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, dos direitos humanos e das diversidades sexual e de gênero nas escolas públicas brasileiras.

De acordo com o professor, a Constituição reconhece que ensino religioso é a necessidade de o Estado promover nos estabelecimentos educacionais públicos a educação para a tolerância, o pluralismo e o respeito aos direitos humanos, dentre eles a liberdade religiosa. “Não estou com isso afirmando que o ensino religioso nas escolas públicas é necessário ao tratamento de tais conteúdos obrigatórios. Mas que tais conteúdos, estipulados na legislação, já dão conta do que deveria ser uma educação pública laica, sobre os fenômenos relacionados à religião, ao pluralismo e à liberdade religiosa”, afirmou.

Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso

Representando o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper), o professor Leonel Piovezana apresentou manifestação contrária ao ensino religioso confessional na rede pública. Para ele, a iniciativa do ministro Luís Roberto Barroso de convocar audiência pública para debater o tema é um momento histórico na educação brasileira. “Esta audiência é importante porque na história do ensino religioso, poucos foram os momentos em que os professores foram ouvidos”, lamentou.

Falando em nome da classe, Piovezana citou o líder sul-africano Nelson Mandela para exemplificar a missão daqueles que ensinam religião nas escolas. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pela, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”, afirmou. O professor acrescentou que um dos principais objetivos dos professores deve ser ensinar os alunos a coexistirem pacificamente, a dialogarem, a conviver e construir relações de mútuo reconhecimento das distintas identidades culturais e religiosas.

Associação Inter-Religiosa de Educação e Cultura (Assintec)

O professor de Filosofia Elói Correa dos Santos apresentou, na audiência pública, a posição da Associação Inter-Religiosa de Educação e Cultura (Assintec) contra o ensino de natureza confessional nas escolas públicas. O professor contou a experiência da Secretaria de Estado da Educação do Paraná na adoção de diretrizes curriculares para o ensino religioso no estado, aprovadas pelo Conselho Estadual de Educação. Tais diretrizes são fruto de um trabalho coletivo de professores de ensino religioso e de pesquisadores acadêmicos, que ouviram as instituições religiosas. Elói dos Santos fez uma distinção entre o ensino da religião nos espaços privados (templos, igrejas, mesquitas, sinagogas e terreiros) e o ensino na esfera pública, que deve favorecer o respeito à diversidade.

As diretrizes curriculares para ensino religioso no Paraná têm o sagrado como objeto de estudo. “A partir das diretrizes nós começamos um amplo trabalho de formação continuadas de professores, que incluiu modalidades como as visitas técnicas, quando os professores são levados a conhecer mesquitas, sinagogas, terreiros de umbanda e candomblé, e ouvir os respectivos líderes falando de suas tradições religiosas”, explicou o professor. A segunda modalidade é promover palestras com especialistas. Para efeito de formação de professores, o Paraná trabalha com quatro grandes matrizes religiosas: africana, indígena, oriental e ocidental.

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