“Está descartada a hipótese de crime de ódio”, afirma delegado sobre morte de haitiano em Navegantes

Adolescente de 17 anos confessou que foi o mentor do ataque contra Fetiere Sterlin

Após interrogar um adolescente de 17 anos e um homem de 24 anos, o delegado Rodrigo Coronha descartou a hipótese de crime de ódio no assassinato do haitiano Fetiere Sterlin, 33 anos, em Navegantes. De acordo com o responsável pela investigação, o menor confessou ter sido o mentor do ataque e afirmou que a motivação teria sido ciúmes.

— Ele confessou o crime e disse que não foi preconceito racial, porque Fetiere teria mexido com a namorada dele. Já pedi a prisão preventiva do maior e a internação do adolescente, além da busca e apreensão de outros três menores de idade — explica.

O jovem que assumiu o assassinato contou à polícia que o haitiano teria assediado sua namorada e que os dois teriam discutido. Como o haitiano estava em um grupo maior, o adolescente reuniu alguns amigos e retornou ao local onde estavam os imigrantes, no bairro Nossa Senhora das Graças, para um acerto de contas.

Conforme Coronha, o jovem ainda sustentou no depoimento que estava alcoolizado e foi agredido por Fetiere durante a discussão. A versão difere da relatada pela mulher da vítima, a brasileira Vanessa Nery Pantoja. Segundo ela, o casal ia a uma festa no bairro com amigos, também de nacionalidade haitiana, quando três pessoas passaram pelo grupo gritando frases em crioulo — entre eles, o termo “macici”, gíria para gay.

— O meu marido disse apenas “macici são vocês”. Isso foi motivo para eles o jurarem morte. Uns 10 minutos voltaram em umas 10 pessoas e foram pra cima da gente — conta.

A mulher do haitiano contou que o grupo portava facas, uma pá e outras ferramentas. Para o delegado, os insultos trocados com os haitianos teriam sido uma forma dos adolescentes provocá-los para a briga.

— Além dos depoimentos, testemunhas confirmaram as versões dos menores. O adolescente ainda admitiu ter dado uma facada em Fetiere — observa.

Somente nessa quarta-feira mais de 10 pessoas foram ouvidas pela polícia. Os três adolescentes de 14, 15 e 16 anos, que tiveram o mandado de busca e apreensão solicitado pelo delegado, serão ouvidos novamente para esclarecer qual foi sua participação no crime. Outro ponto que ainda precisa ser apurado é o roubo do celular que estava com Fetiere — o adolescente de 17 anos negou que o grupo tenha levado o aparelho.

A esposa do haitiano, Vanessa Nery Pantoja diz que versão contada pelo adolescente que assumiu a autoria do crime é mentirosa. De acordo com ela, quando ele passou pelo grupo estava acompanhado por outros dois jovens e não por uma mulher.

— Isso é mentira, é equivocado o que ele falou. Não existe essa possibilidade. Foi xenofobia sim, foi racismo. Tem cinco testemunhas para falar isso. Eles não chegaram discutindo, chegaram golpeando — garante.

Até às 20h a decisão do juiz sobre a internação do adolescente não havia sido divulgada. O homem de 24 anos será encaminhado ao presídio da Canhanduba, em Itajaí. Em seu depoimento ele disse que apenas tentou separar a briga.

Repercussão nacional

A morte do haitiano Fetiere Sterlin, supostamente por xenofobia, teve grande repercussão no país nos últimos dias e levou o Ministério da Justiça a emitir nota oficial na noite de terça-feira. O ministro José Eduardo Cardozo também havia determinado que a Polícia Federal auxiliasse nas investigações.

Na nota oficial, o Ministério afirma que o episódio “ofende nossa histórica tradição de acolhida e respeito aos imigrantes que vêm ao Brasil construir suas vidas e que ajudaram, e ajudam, no desenvolvimento socioeconômico do País”.

O governo de Santa Catarina e a Secretaria de Assuntos Internacionais também emitiram nota repudiando a agressão que vitimou o haitiano. O texto expressa solidariedade aos familiares da vítima e a todos os imigrantes que escolheram o estado como residência.

A nota destaca ainda que a “diversidade cultural e étnica é um dos diferenciais que engrandece Santa Catarina” e afirma que “é papel do Estado estimular a integração entre os povos e combater toda espécie de preconceito, em especial a xenofobia”.

À procura de vaga no cemitério

Após quase quatro dias de espera, o corpo de Fetiere foi liberado na tarde desta quarta-feira pelo IML de Itajaí. Como a vítima não era casada legalmente, apenas um parente de primeiro grau poderia retirar o corpo. A mulher dele chegou a conseguir uma declaração de união estável no cartório da cidade, porém o IML não aceitou o documento.

Após receber informações do consulado do Haiti no Brasil, o órgão fez a liberação do corpo. Ainda não foram definidos o local e horário do sepultamento. De acordo com a esposa, Vanessa Nery Pantoja, agora a família está em busca de uma vaga no cemitério público de Navegantes.

— A seguradora da empresa cobre apenas o cemitério público, que não teria vaga. Amanhã (quinta-feira) vou até a prefeitura para verificar isso — relata.

Fetiere era isolador naval e trabalhava em um estaleiro de Navegantes desde fevereiro deste ano — ele chegou à cidade há dois anos e logo se casou com Vanessa. Na empresa, era querido pelos colegas e considerado uma pessoa de bom caráter, tranquilo e ótimo profissional.

+ sobre o tema

Conflitos africanos são alimentados pelo Ocidente

O presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, acusou os...

África ganha 11 bilionários em 1 ano. Veja os mais ricos

  Segundo ranking divulgado pela revista Forbes, 10...

para lembrar

Xenofobia se converte em agressões contra imigrantes haitianos

Desde julho, 13 trabalhadores do Haiti denunciaram espancamentos sofridos...

UNFPA e PUC de Minas Gerais lançam cartilha bilíngue para ajudar imigrantes haitianos no Brasil

Documento contém orientações em português e créole  sobre direitos...

Mais um menino preto

Escritora Cidinha da Silva comenta morte do adolescente baiano...
spot_imgspot_img

Toussaint Louverture, o general negro que libertou o Haiti

Toussaint Louverture liderou a revolução haitiana que conquistou a libertação de dezenas de milhares de escravos negros da antiga colônia francesa no Haiti e abriu caminho...

Movimentos sociais e familiares de mortos em operações policiais realizam ato em SP

Um ato para protestar contra a matança promovida pela Polícia Militar na Baixada Santista está agendado para esta segunda-feira, 18, às 18h,  em frente...

Massacre de Paraisópolis: policiais militares têm segunda audiência

O Tribunal de Justiça de São Paulo retoma, no início da tarde desta segunda-feira (18), o julgamento dos 12 policiais militares acusados de matar...
-+=