No dia 30 de abril deste ano, Geledés – Instituto da Mulher Negra completa 37 anos de existência. Para marcar essa data, ao longo do mês, a organização promoverá uma série de atividades em sua sede, no centro de São Paulo (SP). As primeiras aconteceram nesta segunda-feira (14), com diálogos sobre violência contra a mulher, feminicídio e o trabalho das Promotoras Legais Populares (PLPs).
Sob o título “Feminicídio Tem Cor: Roda de Conversa com Mulheres Negras Insubmissas”, a primeira mesa contou com a mediação de Maria Sylvia de Oliveira, coordenadora de Gênero, Raça e Equidade em Geledés, e participação de Liliane Martins, doutoranda em Psicologia Social, e Patrícia Carvalho, advogada e doutoranda em Direitos Humanos.
Patrícia falou sobre seu livro “Insubmissos relatos de mulheres negras: raça, violência doméstica e o sistema de justiça”, resultado de um mestrado que investiga a intersecção entre raça e violência doméstica no sistema de justiça brasileiro, por meio de análises de decisões judiciais e entrevistas com advogadas e defensoras públicas.
Liliane, por sua vez, contou ao público sobre seu livro “O feminicídio tem cor: diálogos com movimentos de mulheres negras no Brasil”, também resultado de um mestrado que aborda o apagamento das mortes de mulheres negras, as várias formas de violências que passamos e os enfrentamentos que o movimento de mulheres negras organizadas tem feito diante desse cenário.
“Apesar de serem áreas distintas, os temas convergem. A Patrícia fala sobre as mulheres negras que sofrem racismo dentro do contexto familiar de violência doméstica e da atuação das advogadas e das defensoras públicas. E a Liliane fala sobre o aumento do feminicídio e de como as ativistas tratam esse tema” explicou Maria Sylvia.
Fotos: eyes@grazi
A discussão do tema da violência contra mulher, levando como basilar o fator racial, se mostra ainda mais evidente ao olhar dados como o de que 63,6% das vítimas de feminicídio são mulheres negras, de acordo com a 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicada em 2024.
Mesmo diante de dados como esse, a questão racial é escanteada nas denúncias. “Em delegacias, se você chega com uma situação apenas de violência de autoestima [relacionada à raça] é muito comum que eles se recusem a registrar boletim de ocorrência. De todos os processos que eu olhei do Tribunal de Justiça de São Paulo, quase 80% deles só aparece a violência racial associada a outros tipos de violência, como a violência física, ameaça e lesão corporal”, afirmou Patrícia Carvalho.
Diante disso, a advogada considera que minar a autoestima de uma mulher é uma das primeiras formas de violência, pois a torna mais vulnerável para permanecer em situações do tipo. Por isso, espaços em que mulheres se sintam seguras para contarem suas histórias e ouvirem relatos similares são necessários para o enfrentamento à violência.
“Quando a gente faz uma roda de conversa, essa mulher vê que ela não está sozinha, que não é a única e que existe um espaço seguro para falar. A partir daí, fazemos um trabalho ancorado no Direito para encontrar caminhos para sair dessa situação de violência”, pontuou Liliane Martins.
A atuação das promotoras legais populares
A segunda atividade do dia foi a mesa “PLPs: A defesa dos Direitos das Mulheres”, que abordou a atuação das promotoras legais populares, lideranças comunitárias com capacitação em direitos humanos e direitos das mulheres. Elas orientam, por exemplo, vítimas de suas comunidades a denunciarem a saírem do ciclo de violência doméstica.
Desde 1999, Geledés promove cursos de capacitação para formar promotoras legais populares. A formação inclui instruções em relação a ações de acolhimento, escuta qualificada, auxílio e orientação às mulheres em situações de violação de seus direitos, geralmente ocasionadas por discriminações de gênero, orientação sexual, racismo e, especialmente, violência doméstica.
O Projeto das PLPs teve início no Chile e,atualmente, existe por quase toda a América Latina. A formação chegou ao Brasil em 1992, com a realização de um seminário sobre os direitos da mulher organizado pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem), em São Paulo.
Fotos: eyes@grazi
Novamente com mediação de Maria Sylvia de Oliveira, o painel contou com a participação das promotoras legais populares Jussara Martins, Tereza Rocha e Tamires Santana. Elas contaram sobre como o curso de PLPs transformou suas vidas e sobre os principais desafios e potências de atuar no meio.
“Para mim, ser promotora legal popular é levar esperança e força para as mulheres, principalmente para as mulheres negras”, disse Jussara Martins, que é coordenadora do Núcleo de Mulheres Maria Tereza, em Ferraz de Vasconcelos (SP). “Se em cada andar meu eu conseguir levantar uma mulher e fazê-la caminhar, já me sinto feliz”, destacou.
Para Tereza Rocha, estudante de Direito, “ser promotora legal popular é carregar a responsabilidade de romper o silêncio histórico que nos foi imposto”. Ela pontua ainda que sua atuação não tem horário certo para acabar, pois fica atenta a situações ao seu redor em que pode intervir e ajudar uma mulher que está sofrendo uma violência.
Tamires Santana, por sua vez, pontuou que o curso foi um divisor de águas e uma “trajetória de emancipação, organização do conhecimento, de aprender a estar disponível para o coletivo e, ao mesmo tempo, respeitar os meus limites”.
Entre as dificuldades enfrentadas, as participantes mencionaram a falta de apoio estrutural, o que pode comprometer a permanência de mulheres no curso, ao passo que a falta de apoio do Estado prejudica suas atuações no cotidiano. Questionadas sobre as potencialidades do trabalho, foram unânimes em dizer sobre a capacidade de transformar a vida de outras mulheres.