13 de maio de 2016. Dia que devia ser de reflexão pelo fato de ser a data oficial em que a escravidão no Brasil foi extinta, muito mais pela conveniência das circunstâncias na época do que por supostos gestos humanitários. Ainda assim é uma data importante do ponto de vista histórico, já que nos faz lembrar de um dos marcos fundadores da ordem racial brasileira e de tudo que isso implica.
Por Marcio André dos Santos, do Médium
Os movimentos negros e os segmentos mais à esquerda da sociedade civil brasileira comemoram o Dia 20 de Novembro como dia de luta e resistência permanentes da população negra. Dia em que Zumbi dos Palmares foi assassinado e entrou para a história nacional como herói do povo negro e de todos os brasileiros. Ao mesmo tempo, comemora-se a resistência dos quilombolas e de todos os escravizados como referência no combate ao racismo e a discriminação racial praticados no presente.
Porém, neste dia 13 de maio, não temos nada o que comemorar. Nós, os negros, as mulheres, a comunidade LGBT, os estudantes universitários, secundaristas, cotistas, não-cotistas, trabalhadores formais, informais, desempregados, os movimentos sociais, enfim, todos aqueles(as) que lutam pela ampliação de direitos e manutenção de um país efetivamente democrático amargam um sentimento de revolta com a posse do governo interno de Michel Temer.
Estamos todos(as) de luto. Todos(as) aqueles(as) que acreditam nas instituições republicanas e apostam no regime democrático como um alicerce garantidor da justiça social, da igualdade racial, de gênero, do desenvolvimento e da solidariedade na diversidade. Todos(as) aqueles(as) que reconhecem avanços sociais importantes nos últimos anos no país, especialmente para os mais pobres.
O governo Dilma tem muitos problemas e imperfeições, disso ninguém duvida. E parte substantiva destes problemas e imperfeições se deve aos partidários do golpe dentro do Congresso Nacional e na Câmara dos Deputados, barrando e dificultando projetos de leis propostos pela presidenta Dilma. Em outros termos, não podemos culpar somente a falta de habilidade política e lentidão decisória de Dilma para dialogar com a oposição e com a base de sustentação do governo. Precisamos analisar o papel ativo da oposição de direita na orquestração do GOLPE.
Apesar dos vários percalços e das inúmeras concessões feitas a oposição em nome da governabilidade, os últimos governos do Partido dos Trabalhadores garantiram uma série de políticas públicas de interesse da maioria do povo brasileiro. Evidentemente que todas as áreas precisariam de novos ajustes, realinhamentos, melhorias programáticas e investimentos.
O GOLPE perpetrado contra a presidenta Dilma é, na verdade, um ato de traição contra todos nós, contra o povo brasileiro na sua totalidade e diversidade. É um ato de traição de uma elite política que não soube perder as eleições em 2014 e de maneira propositada decidiu boicotar todos os processos políticos do governo visando pura e simplesmente corroer a legitimidade de Dilma junto aos parlamentares, aos eleitores e a opinião pública. Essa elite representada agora por Michel Temer e seus ministros, todos do sexo masculino e todos brancos, se pudesse, restabeleceria a escravidão em uma só canetada do mesmo modo que extinguiu no primeiro dia do seu governo golpista ministérios fundamentais para os segmentos mais fragilizados da população (Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Direitos Humanos, Cultura…).
Temer e sua agenda ultraneliberal reeditaria (ou reeditará?) as mesmas condições inumanas da época da ditadura militar, perseguindo opositores políticos, negros, sem-terras, mulheres, homossexuais, lésbicas, pobres em geral. Alias essa elite já faz tudo isso, não é novidade!! A diferença é que agora, consumado parte do GOLPE, essa quadrilha organizada terá todas as condições institucionais para fazer retroceder décadas de avanços.
A história que se repete como farsa da farsa
No país em que o mito da democracia racial e o ódio à ascensão política das mulheres são ideologias e valores profundamente arraigados no imaginário e nas práticas institucionais das elites brasileiras, o racismo e o sexismo reaparecem a depender do movimento das ondas.
Em mais um retrocesso exposto por este governo ilegítimo (já que golpista, não podemos deixar de sublinhar isso), nenhuma mulher (branca ou negra ou indígena) e nenhum negro ou indígena estão entre os ministros que compõe o novo governo. Por que será?
Michel Temer e sua equipe escolheram somente homens brancos! É o Governo dos Homens Brancos. Uma Ku Klux Klan apoiada pelos oligopólios de comunicação, com as organizações Globo na frente do processo e pelos grandes empresários, latifundiários, ruralistas, bancada evangélica, bancada da bala e toda corja de deputados e senadores que querem a volta das trevas em nome de Deus.
Cabe agora aos movimentos sociais e a todos nós, cidadãos que sabem exatamente qual o valor da democracia, do voto livre e da Constituição, resistir e lutar contra o GOLPE parlamentar que assistimos em rede nacional. É o momento em que as esquerdas precisam se rearticular em torno dos avanços sociais, dos direitos humanos, da igualdade racial, de gênero, enfim, das garantias da cidadanização.
Temer tem o apoio das elites empresariais, dos bancários, ruralistas, da mídia golpista e de setores da classe média branca. Nós temos o apoio substantivo dos setores oprimidos, dos quilombolas, das mulheres, das minorias. Todos esses segmentos sabem exatamente bem que não podemos abrir mão da democracia.
Marcio André dos Santos
Poeta, professor, cientista político e ativista do movimento negro.