Há muito não se via o Teatro Guararapes tão movimentado quanto esteve na noite de sábado (29) para a peça O Topo da Montanha, com Lázaro Ramos e Taís Araújo. Houve fila pra comprar ingresso, trocar, entrar no teatro… A vivacidade de um público diverso e ávido, e, sobretudo, o espetáculo recompensaram. Quisera mais gente tivesse podido ir! Em cena, dois atores negros dos mais graúdos da TV brasileira, que furaram o cerco da branquidade nos papéis principais da teledramaturgia, interpretaram Martin Luther King – um dos líderes do movimento dos direitos civis dos negros nos EUA – e uma camareira do hotel onde ele foi morto, personagem ficcional, que se conhecem na noite anterior ao assassinato.
Publicado por Romero Rafael no Blog N10
Antes do espetáculo, um “Fora Temer!” em coro da plateia, que reunia, mais do que normalmente, turbantes e black powers. No texto da peça de Katori Hall, Luther King está em Memphis, Tennessee, no início de abril de 1968, envolvido na greve dos trabalhadores de limpeza urbana. Na conversa dele com a camareira, critica a atuação de jovens negros extremistas que saquearam lojas em marcha puxada por ele – logo ele, que pregava o discurso do amor e da não-violência. Mude geografia, tempo e causa e teremos um esqueleto para a história atual.
No recorte da peça, Luther King está abatido, cansado das lutas e sem perspectiva por dias melhores. Não sabe mais o que falar em seus sermões, mas também teme a morte por ainda haver muito a fazer e falar. A fragilidade de Luther King humaniza o presbítero tornado herói.
Ao fim do espetáculo, Lázaro e Taís pregam que cada espectador deve “passar o bastão” adiante, no sentido de que, após Martin Luther King, outros tantos vieram e continuaram o sonho dele, que dura até hoje, por igualdade e direitos humanos. “Momento de luta… Grito junto, claro!”, disse Lázaro, com voz embargada, após mais um “Fora Temer!” dito em coro pela plateia, e emocionado pelo teatro lotado, plateia e balcão. “Essa peça fala sobre afeto, respeito e coragem nesse momento de ódio”, continuou o ator, que, ali, era mais um a levar pra frente o sonho de Luther King.