Inéditos de Joel Rufino dos Santos trazem de volta a sua grandeza criativa

Morto há 9 anos, escritor volta com romances que misturam ficção e história real

Quando faleceu, em 2015, Joel Rufino dos Santos deixou pelo menos dois romances inéditos, prontos para publicação. Historiador arguto e professor de grandes méritos, com vasta e premiada obra publicada, Rufino também era um fabulista de grande imaginação, costurando tramas envolventes e rebuscadas.

Quando li dele “Crônicas de Indomáveis Delírios”, eu mesmo delirei. A divertida saga da revolução pernambucana de 1817, contada com imaginação e verve, tendo como um dos protagonistas ninguém menos que Napoleão –instado a comandar um exército nos trópicos —é de uma criação super “fora do lugar” e genial. Ou seja, Rufino confronta o ideário francês de igualdade, liberdade e fraternidade em um país praticante do escravismo como o Brasil. Uma viagem fantástica e instigante.

O escritor Joel Rufino, preso em 1972, durante a ditadura militar, em sua residência no bairro de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro (RJ) – Fabrizia Granatieri – 4.mai.2000/Folhapress

A editora Pallas, em boa hora, nos presenteia com os dois romances inéditos mencionados acima: “O Amor e o Nada” e “O Rio das Almas Flutuantes”. Ambos não são um Rufino diferente do indelével “Crônicas de Indomáveis Delírios”; pelo contrário. Continua a ser a arte do narrador maduro, articulado com as palavras, e a pôr diálogos na boca de personagens intrigantes –às vezes mundanos, ou suburbanos e pueris; outras vezes esnobes, metidos à besta e bonachões.

Como escritor de muitos recursos, Rufino volta o seu apurado buril de historiador literário para o campo da memória, pelo viés da política. Em “O Amor e o Nada”, incursiona pelos bastidores do golpe militar de 1964 —que este ano completa 60 anos de triste acontecimento —, contra o qual foi aguerrido militante e tido como “persona non grata”, por vezes preso e torturado.

Luís Viegas, o personagem central do romance, é um jovem cheio de dinheiro, herdado dos pais, que se apaixona por uma mulher comum, a Júlia, uma “preta suburbana”, como a alcunhou o tio.

Joel Rufino conhecia como ninguém os seus ambientes cariocas, o subúrbio, onde nasceu, e zona sul, onde morou, e trafegava com desenvoltura pelos dois, os descrevendo com relativa naturalidade.

É por aí que traça a sua narrativa, misturando nomes reais com fictícios, cenários conhecidos com imaginários.

Em “O Amor e o Nada”, essa sua catarse cerebral, o pano de fundo é a urdidura do golpe, mas sob o olhar de quem a viveu e experimentou na dor e no gosto de sangue misturado nos calabouços da repressão.

Esse olhar ficcional de Rufino, que palmilha uma viva trama e expõe seu clima aterrador e de medo é dos pontos altos do seu romance, que paira sob o céu de abril de 1964 –que nem sempre foi o de brigadeiro.

No romance, a narrativa se apega a partir da história de um grupo de jovens estudantes idealistas da Faculdade Nacional de Filosofia. Parece que o autor se retrata na própria história. Se não a conta, dá a entender que suas aventuras foi por demais semelhante.

Já “O Rio das Almas Flutuantes” é um romance aventureiro, bem ao gosto de Joel Rufino, onde se mescla sua faceta de historiador e romancista. Aqui “a aventura” se volta para o século 19, e sai do Egito para a cidade de Cachoeira, na Bahia.

A trama tem por base a insólita fuga de Umar Rashid Bei, “um nobre muçulmano” para a cidade do Nordeste, onde pretende instalar uma ponte inglesa de aço sob o rio Paraguaçu. Para complementar essa aventura, se alia a um seu conterrâneo, chamado de Doutor Samíres, um egípcio exilado, aprendiz de filósofo em Roma e “escravo sexual no Daomé”. É divertido.

Como na maior parte da obra ficcional de Joel Rufino, a mistura com a realidade é gritante. No caso de “O Rio das Almas Flutuantes”, o autor faz referências a personagens históricos e trata de ritos da cultura religiosa de matriz africana, numa rica junção entre o sagrado e o profano, na confluência da Bahia e do Egito.

O romance trata de viagem deveras imaginosa, que vai desde a construção da tal ponte de aço à comparação do rio Paraguaçu, baiano e nordestino, com o mítico Nilo. “Como sabeis, do lado de cá do Atlântico é a África, do outro, está o Brasil, se não fosse o oceano, se encaixariam como os mosaicos de Luxor”, elucubra o narrador, se referindo a coisas milenares.

As duas obras, agora publicadas, com seus distanciamentos de épocas e narrativas, parecem ter sido escritas próximas uma da outra, tal a similaridade da linguagem. Mas não foram. Ao mesmo tempo, pelos preciosos detalhes, pelo retrato dos personagens e a construção dos ambientes, dizem muito das viagens criativas de Joel Rufino, um autor meticuloso, cheio de preciosismos e detalhes, que sabia contar “uma história bem contada”, que envolve quem a escreve e prende a atenção e deleita os seus mais diversos leitores.

+ sobre o tema

Anderson Silva revela que foi vítima de racismo na juventude

Atleta admitiu também que era levado na infância e...

Maju Coutinho já tem data para estrear como apresentadora do “Jornal Hoje”

A jornalista Maju Coutinho, que ficou conhecida como a...

Quanto Jimi Hendrix ganhou para ser headliner do Woodstock 1969?

Mesmo corrigido, cachê foi bem baixo quando comparado a...

Prisioneiro da Liberdade retrata vida de Luiz Gama

Filme dirigido por Jeferson De vai retratar a vida...

para lembrar

Documentário dos Racionais MC’s ganha trailer e data de estreia na Netflix

A Netflix divulgou data de estreia oficial do documentário dos Racionais MC's....

Servidores cobram do Planejamento ações afirmativas no serviço público

Por André Pelliccione, da Redação do Sindsprev/RJ Dirigentes sindicais...

24 de novembro – Éle Semog e Abdias Nascimento no Oi Futuro

Em comemoração a Semana da Consciência Negra, o Corujão...

Professora e sambista Pedrina de Deus morre nesta quinta-feira em Fortaleza

Os sambas de Fortaleza perderam um membro de excelência....
spot_imgspot_img
-+=