“Leis para violência contra lésbica não funcionam na prática”, diz advogada 

Lesbofobia, lesbocídio, estupro corretivo: esses são nomes de violências cometidas especificamente contra mulheres lésbicas, e o Brasil tem leis que protegem contra esses crimes. Mas, por falta de dados, mapeamento dessas agressões e políticas públicas, ainda é difícil fazer valer esses direitos na prática, segundo a ABMLBTI (Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexo).

Em entrevista a Universa, Luanda Pires, advogada especialista em direitos humanos e porta-voz da ABMLBTI, explica quais são as principais ferramentas jurídicas que protegem as vítimas desse tipo de violência.

  • Lei Maria da Penha: reconhece violência doméstica e intrafamiliar contra mulheres lésbicas (e também transexuais); ou seja, pode ser acionada em caso de agressão entre um casal de lésbicas, mas também quando o agressor é outro membro da família, como pai, primo, tio.
  • Lei de Racismo: desde 2019, a lei reconhece também a homofobia, ou seja, criminaliza o preconceito e a violência contra pessoas LGBTQIA+. Em caso de homicídio, se for comprovado o cunho homofóbico do crime, torna-se um agravante por motivo torpe.
  • Estupro corretivo: por decisão do Congresso, a prática, caracterizada como estupro cometido para controlar ou “corrigir” a orientação sexual da vítima, geralmente em mulheres lésbicas, configura agravante para o crime de violência sexual desde 2018.

Como funciona na prática

Luanda explica que embora no Brasil existam leis que protejam a população LGBTQIA+ e, especificamente, mulheres lésbicas, é muito difícil aplicá-las. Ou seja, sempre fazem diferença na prática — prova disso é que, segundo uma pesquisa realizada por pesquisadoras da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o lesbocídio, a morte de mulheres em razão de serem lésbicas, aumentou 237% no Brasil entre 2015 e 2019.

Para ela, pelo menos três problemas explicam esse buraco entre teoria e prática: a falta de dados oficiais que dão dimensão às violências contra mulheres lésbicas, a falta de políticas públicas que garantam a aplicação das leis e a falta de preparo dos agentes públicos ao acolher as vítimas, seja na delegacia ou no tribunal.

“A tipificação de conduta infelizmente não muda padrão de comportamento. Se fosse assim, não existiria discriminação e violência no Brasil. A aplicação dessas leis depende muito da interpretação de agentes públicos, desde a delegacia até o tribunal, e muitas vezes eles mesmos não respeitam a lei”, afirma.

Segundo ela, na maioria das vezes não dá nem para incluir a orientação sexual das vítimas no boletim de ocorrência, embora haja um campo para ser preenchido com essa informação. O motivo alegado por policiais para isso acontecer, segundo a advogada, é que eles ficariam com vergonha de perguntar a orientação sexual das vítimas.

“Mas, na verdade, não interessa ter esses dados, porque uma vez que você tem os dados em mãos, precisa criar políticas públicas em resposta. O estado age de maneira muito consciente nessa não produção de dados, no não mapeamento de violências contra a população LGBTQIA+”, afirma. “Por isso, mesmo diante de condutas claramente homofóbicas, a gente não consegue lavrar um boletim de ocorrência com a tipificação de homofobia sem brigar muito.”

Ela cita como exemplo do despreparo do estado para atender vítimas de homofobia o fato de São Paulo, a maior cidade do país, ter apenas uma delegacia especializada nesse tipo de crime, a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), na região central.

“Mas, mesmo que a pessoa registre uma ocorrência lá, o boletim de ocorrência vai ser encaminhado para a delegacia mais próxima à residência da vítima e o acompanhamento vai ser feito provavelmente por agentes públicos sem empatia e nem preparo para lidar com essas questões.”

“É preciso educar agentes públicos”

A advogada acredita que a primeira solução a ser tomada para garantir a aplicação das leis que protegem a comunidade LGBTQIA+ e especificamente as mulheres lésbicas é o treinamento dos agentes públicos que trabalham no atendimento às vítimas — desde os policiais da delegacia onde a queixa é registrada, até o juiz ou ou juíza que decidirá o caso no tribunal.

“Quando a gente fala em direitos relacionados a gênero e orientação sexual, a mudança de paradigma tem que ser estrutural”, acredita. “Enquanto não forem criados mecanismos para que esses agentes públicos sejam capacitados de forma adequada para atender a essas demandas, a gente não vai conseguir aplicar essas leis. É preciso educar os agentes públicos com recorte de diversidade sexual e de gênero”.

Foto em destaque: Reprodução/ Universa 

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