Editorial – Altivo, propositivo, amplo e equilibrado. São as palavras que definem e resumem o discurso de posse da nova ministra chefe da SEPPIR, socióloga Luiza Bairros, na tarde desta segunda-feira (03/01), no Salão Negro do Itamaraty. Altivo, quando reafirmou que a luta pela superação da herança maldita do escravismo e de 122 anos de racismo pós-abolição, não é dádiva do Estado nem de Governos, nem começou ontem.
Somos herdeiros de uma luta histórica, iniciada por muitos antes de nós.
Luiza fez questão de se dirigir “especialmente a militância negra”, responsável, segundo recordou “pela reemergência da luta contra o racismo nos anos 70” “capaz de fazer com que a sociedade brasileira passasse a se ver na sua diversidade, passasse a perceber a idéia de democracia racial como elemento impeditivo da nossa realização enquanto sujeitos políticos detentores de uma história e de uma cultura, que singularizam a nossa participação na sociedade e que reclamam pela superação de desvantagens sociais, produzidas e reproduzidas ao longo dos séculos”.
“Uma trajetória – emendou -, que ensinou para a minha geração e as seguintes que o racismo é uma questão nacional, indissociável, portanto, dos grandes temas que definem os rumos da sociedade brasileira e que devem determinar as escolhas coletivas que fazemos para que o Brasil se realize como um país justo, democrático e igualitário”.
Não há coisa mais constrangedora e vexatória do que ver negros sacrificarem esse bem maior que é a altivez, em nome da ascensão a algum posto, favor ou poder. E a esse papel, desgraçadamente tão corriqueiro em tantos momentos, a nova ministra não se prestou.
Altivo, ao dizer ainda que a SEPPIR necessária não é o “puxadinho” como muitos a vêem, reduzida ao papel de abrigo de dirigentes partidários, voltados para dentro de suas agendas e ou de seus umbigos.
“É preciso evitar a armadilha de considerar que a limitada estrutura de um Ministério voltado para a proposição, articulação e coordenação de políticas públicas continue sendo o único espaço onde se aplicam as competências que construímos nos últimos anos”, lembrou.
Propositivo, quando considerou “fundamental a inclusão de profissionais experimentados no trabalho da igualdade racial nos quadros de pessoal de todos os Ministérios que tenham um papel evidentemente mais próximo a implementação das políticas públicas”.
Não é cabível em um país em que correspondemos, nós, pretos e pardos, a 51,3% da população, segundo o IBGE, nos contentarmos com o gueto de um Ministério com orçamentos minguados, nem nos comportarmos como se esse Ministério fosse uma espécie de “reserva de negros”, como algumas posturas – por equívoco ou ignorância – acabam por sugerir.
“Também deveremos consolidar nos demais ministérios a compreensão de que a missão institucional da SEPPIR, só se realiza através dos seus compromissos com a Agenda da Igualdade Racial, consubstanciada no Plano Nacional de Política de Promoção da Igualdade Racial. Isso também é necessário do ponto de vista do aprofundamento da nossa relação com o Legislativo e com os Poderes de Justiça, para que nós possamos aprovar as leis que faltam e fazer valer leis importantes que foram conquistadas e hoje se encontram sob o ataque de setores conservadores da sociedade brasileira”.
Sim, porque é precisamente isso que se espera de um Ministério que tem o papel institucional da SEPPIR. Não é ser uma espécie de “reserva de negros”, nem o gueto, nem o “puxadinho” para acomodação de interesses menores. Mas, a de ser – como se propõe e propõe a nova ministra – uma voz presente em todos os demais Ministérios, sempre a lembrar que as políticas públicas devem levar em conta – necessária e obrigatóriamente – a parcela mais vulnerável, que é a população negra, pelos fatores históricos conhecidos.
“A SEPPIR que precisamos ter para consolidar o caminho percorrido desde a sua criação, o Ministério que precisamos consolidar para potencializar as ações de Governo, como ações de Governo, os pilares essenciais na definição da cidadania negra, participação nas estruturas de poder e riqueza da sociedade, educação, saúde e segurança”, emendou.
Altivo e propositivo, ao recordar a necessidade de que a SEPPIR seja dotada “dos recursos materiais e humanos necessários para fazer valer nossa contribuição nesse esforço extraordinário de transformação social, cujos marcos regulatórios instituídos em vários casos com a contribuição da SEPPIR, incluem o Estatuto da Igualdade Racial, o Dec. 4887/2003, a LDB modificada pela Lei 10.639/2003, e a Política Nacional de Atenção à Saúde Integral da População Negra, assim como incluem também os documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário”.
Propositivo, ao dizer que no contexto das prioridades enunciadas pela presidente Dilma, segurança também significa a adoção de “novas medidas que venham a deter os homicídios entre jovens negros e negras, cujas taxas ameaçam o nosso futuro, nossas possibilidades de participação efetiva nesse novo Brasil que emergiu nos últimos oito anos”.
“As prioridades do Governo Dilma, não só respondem a bandeiras históricas do Movimento Negro como chamam nossa atenção para os desafios que a nova configuração das relações raciais impõem a sociedade brasileira. Um deles é o desafio de incluir em nossa experiência, as demandas de grupos historicamente discriminados como os indígenas – os donos da terra como são chamados nas tradições afro-brasileiras – com quem já convivíamos nos quilombos. No mesmo modo nos chamam a incluir no esforço de radicalização da democracia, as minorias étnicas constituídas dos ciganos, árabes e judeus, são segmentos populacionais com culturas e trajetórias históricas diferenciadas que também se somam e tem se somado nos últimos anos a construção da sociedade igualitária que queremos”, afirmou.
Amplo, ao fazer um chamamento ao diálogo com todos os setores e reconhecer que a representação da população negra brasileira, não se restringe nem se limita nem se reduz aos espaços institucionais dos Partidos Políticos.
Luiza Bairros foi além: propôs “amplo diálogo com todas as forças que compõem o Movimento Negro, bem como as instâncias de combate ao racismo dos Partidos políticos”. “É desse diálogo que esperamos derivar a legitimidade das nossas ações, sem nunca pretender o alinhamento acrítico que não produz a inovação nem consegue ser efetivamente representativo das demandas das parcela afro-brasileira que hoje representa mais de 50% da população do país””.
E por fim, o discurso de posse da nova ministra foi equilibrado. Ela se afirmou porta-voz de todas as mulheres negras, e mais do que isso, reafirmou o compromisso “com a luta das mulheres, sem as quais – lembrou – não teríamos chegado até aqui”, sem cair na tentação muito recorrente em certas proposições e discursos de esquecer que a luta por transformações na sociedade não é das mulheres – negras ou não – contra os homens – negros ou não – mas, de todos os seres humanos, contra todas as formas e sistemas de exploração e opressão.
Ao fazê-lo, lembrou a simbologia da existência das nove mulheres escolhidas pela Presidente Dilma Rousseff para ocupar Ministérios e Secretarias com status de Ministério na Esplanada.
“Em uma das tradições do Candomblé, nove é o número de Iansã, a orixá guerreira, a única orixá feminina que adentra o culto dos ancestrais no qual apenas os homens seriam permitidos. Não podemos perder de vista esse significado. De todas e de cada uma das nove ministras espera-se que o feminino e o masculino não sejam lugares estanques, mas espaços nos quais homens e mulheres possam circular com desenvoltura e de acordo com as nossas tarefas como ministros e ministras exigirem; sermos sensíveis e guerreiros ou guerreiras, sermos firmes e justos e justas; sermos cuidadores e cuidadores, sem nunca esquecer a energia”, assinalou.
“E assim nós poderemos com essa força dessa simbologia, nós poderemos ir alternando as nossas possibilidades, as possibilidades que temos enquanto seres humanos que somos, acima de tudo responsáveis, por conduzir o Brasil no caminho da Justiça, da Igualdade e assegurar para mulheres e homens no Brasil uma vida digna, livre da violência e de qualquer tipo de discriminação”, concluiu.
As linhas gerais estão dadas, estão postas. Melhores não poderiamser. Mãos à obra, que a obra é grande e exige muitas mãos. O discurso da nova ministra da SEPPIR não poderia apontar melhor caminho.
Agora é esperar pelas ações. E conferir.
Fonte: Afropress