Naná Vasconcelos lança novo disco: Sinfonia & Batuques

Um dos mais conceituados percussionistas do mundo apresenta Sinfonia e batuques, que coleciona sons inusitados que contam histórias

 

Nada escapa do ouvido e sensibilidade de Naná Vasconcelos, nem mesmo o som da água do mar que banha o Recife, presente em seu novo trabalho

 

Há 10 anos acostumado a ter à sua disposição, na abertura do carnaval, o Marco Zero, amplo e nobre espaço a céu aberto no Recife (PE), o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos escolheu o Bairro de Peixinhos, no limite da capital com Olinda, para lançar seu novo disco, Sinfonia e batuques. “Conheço esse lugar desde pequeno, quando ia lá comprar carne com meu pai. Fui criado no bairro vizinho de Sítio Novo, no Recife”, conta o músico. O local abrigava um matadouro que, em 2006, foi transformado em centro cultural e ficou conhecido como Nascedouro de Peixinhos.

“Foi maravilhoso tocar lá. Peixinhos é um lugar carente e lá há um grupo de dança afro-brasileira só de crianças, o Magê Molê, que convidei para participar de uma das músicas. Foi uma festa na comunidade, usando na banda as pessoas de lá. Todo mundo foi. As pessoas ficaram curiosas e maravilhadas. Também foi bom porque quase não toco na minha terra. Praticamente, só na abertura do carnaval”, conta o artista. Ele ficou tão feliz com o resultado que já pensa em repetir o formato em outras cidades do país, ensaiando com crianças dos locais onde estiver. “Imagino esse show no Palácio das Artes, em Belo Horizonte”, provoca.
Mas, se quiser mesmo mostrar esse novo trabalho para o Brasil em apresentações ao vivo, será preciso colocar os pés no chão e parar de sonhar já. Não é exagero. Mais do que excelente percussionista, em Sinfonia e batuques Naná coloca à prova seu talento como “costureiro”, enfileirando 12 faixas nas quais faz músicas das formas mais diversas: com instrumentos de cordas e tambores (como o título do CD sintetiza), arrastando seu chinelo na areia, chorando e gargalhando, com coral infantil e até fazendo da piscina instrumento musical ao bater as mãos na água e criar células rítmicas.
Como se tudo isso não bastasse, nesse mesmo disco ele apresenta a filha Luz Morena, de apenas 11 anos, como pianista e compositora. Ela assina três faixas, Mistério, Pedalando e Canção para Nanile, todas elas vinhetas de pouco mais de um minuto que contaram com arranjo do pai. “Veia de compositora ela tem, mas não fica tocando na minha frente. Não me meto e, quando ela me chama, só mostra a música pronta, com começo, meio e fim”, garante Naná. Aluna de piano há quatro anos, já toca compositores como Bach e Villa-Lobos e atualmente estuda Haydn. E já conquistou fãs – Egberto Gismonti é um deles.


VISUAL SONORO

“No todo, o disco tem uma unidade”, afima. No entanto, ele se resguarda ao colocar a palavra “ideias” acima da lista de faixas na contracapa do CD. Na prática, explica, é uma espécie de pedido de licença para usar “sinfonia” no título do trabalho. O conceito do álbum teve origem num devaneio seu: o encontro casual (e imaginário) entre uma orquestra sinfônica e um grupo de maracatu, no qual nenhuma das duas partes para de tocar. Todas as músicas foram compostas recentemente só para o projeto, à exceção de Aquela do Milton, de 1984, com a qual o pernambucano homenageia Milton Nascimento.
Ouvindo a faixa-título, o tal encontro que Naná idealizou fica nítido, perfeitamente traduzido para as linguagens sinfônica e do maracatu, que se misturam ao longo de quase sete minutos e dão origem a momentos lindos. Embora as partes percussiva e de cordas não tenham sido gravadas juntas, é impressionante constatar como, ao serem sobrepostas, harmonizam tão bem. “É difícil juntar os extremos, erudito e popular. Faço isso há 10 anos e de várias maneiras na abertura do carnaval do Recife, mas sempre fiquei com isso na cabeça”, afirma.
“Essa variedade que está no disco é bem interessante para quem ouve, mas é perigosa, pois pode ficar parecendo que estou atirando para tudo que é lado. É uma música bem visual, como Villa-Lobos fez ao colocar a gente para ver paisagens em Trenzinho do caipira. Acredito muito nisso, em contar histórias através da música”, explica. Outro bom exemplo disso é a faixa Lamentos, na qual recria o ambiente soturno do porão de um navio negreiro com sons de chicotadas, batuques, lamentos e células rítmicas compostas com água, reproduzindo o som do mar ao se chocar com o casco.
“Cada disco meu é uma coisa. Não tenho uma constante na minha inquietação musical. Solo, trio, duo, grupo. Não tenho uma banda”, diz. De fato, ele gravou Sinfonia e batuques com formações variadas: coral infantil (Menininha Mãe, em homenagem a Mãe Menininha do Gantois, e Recife nagô), grupo de sopro e cordas (Batuque nas águas / Aquela do Milton), roda de samba (Pra elas) e em trio de forró com sanfona e flauta (Pó de chinelo) – nesta última o ritmo é ditado pelo arrastar dos chinelos de Naná na areia. “Para este trabalho, fui gravando com cada um dos grupos e fazendo a transição entre uma música e outra. Ficou uma sinfonia rítmica”, observa.
PISCINASobre a ideia de utilizar a piscina de casa como instrumento musical, Naná revela que a teve quando estava no mar. Batucando entre uma onda e outra, começou a descobrir as possibilidades que a água guarda em termos de som. “No mar não dá para gravar, pois é um ambiente muito aberto e é preciso ter um microfone disponível para ser molhado e sobreviver a tudo isso. Já a piscina é uma caixa acústica”, conta.

O passo seguinte, explica, foi desenvolver células rítmicas com a água, de forma a dar ordem e sentido ao caos sonoro que é uma piscina cheia d’água. “Foi complicado, pois da batida da mão na água saem todas as frequências de som, graves e agudas. É um trabalho de paciência encontrar a melhor sonoridade. Continuarei estudando isso para levar adiante. É preciso procurar onde está o som. Todo instrumento é assim. Sou muito ligado a descobrir onde está a alma do instrumento”, afirma. Agora, seu grande desafio é diminuir o som seco do primeiro impacto das mãos na água.
RITMO QUE UNE POVOS
Aos 66 anos, Naná avalia o momento atual de sua carreira como “sadio”: “Muita gente não conhece o que eu faço. Gente de diferentes mundos sociais está começando a se interessar por outros discos meus. Estou conhecendo muitos jovens que não me conheciam, que nasceram quando saí do Brasil. Muito interessante”.
Tendo no currículo shows e discos com outros nomes de grande destaque na cena instrumental mundial, como Egberto Gismonti, Miles Davis, Pat Metheny, Jan Garbarek, Jean-Luc Ponty e Art Blakey (sem falar no grupo Codona, que formou com Collin Walcott e Don Cherry), o pernambucano diz que “lá fora a cama já está feita”.
“Fiz muitos trabalhos interessantes e com diferentes músicos no exterior. Tenho ido muito à Polônia e Escócia. Estou sempre viajando”, continua. O próximo disco que gravará, a propósito, será no Brasil, mas com um baixista norueguês e um pianista português. E antes disso lançará o DVD Língua mãe (que une crianças brasileiras, angolanas e portuguesas e orquestra sinfônica) e o documentário Terra, batuque, trovão (sobre seu trabalho com o carnaval pernambucano).

 

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