Mapa do ISA mostra avanço da pandemia em Terras Indígenas

Para fortalecer políticas emergenciais às aldeias, novo site monitora casos da doença em municípios próximos de TIs e entre povos indígenas, população especialmente vulnerável aos impactos da Covid-19

Por Clara Roman, do Instituto Socioambiental (ISA)

Cotidiano na Aldeia Ngôjwêrê | Foto: Rogério Assis – ISA

Os povos indígenas no Brasil merecem uma atenção especial por parte dos governos nesse momento de pandemia. Políticas públicas de combate à Covid-19 devem ser adaptadas à realidade desses povos, nas aldeias e nas cidades. Pensando nisso, o Instituto Socioambiental (ISA) lança nesta sexta-feira (3/4) uma nova plataforma para monitorar o avanço da pandemia nas Terras Indígenas e municípios próximos a elas. O site “Covid-19 e os Povos Indígenas” reúne as principais bases de dados sobre a doença e a estrutura de saúde no Brasil de forma georreferenciada — dispostas em um mapa.

Em muitas regiões, povos indígenas estão submetidos a uma situação de vulnerabilidade social e econômica, e sofrem com a dificuldade logística de comunicação e de acesso aos territórios. Tudo isso agrava o risco de mortalidade entre os povos indígenas. Viroses respiratórias foram vetores do genocídio indígena em diversos momentos da história do país, com dezenas de casos provocados por epidemias registrados em documentos oficiais, como o relatório da Comissão Nacional da Verdade de 2014 e o relatório Figueiredo de 1967.

A plataforma indica casos confirmados e mortes causadas pela Covid-19 em todo o Brasil, com destaque para os casos específicos nos povos indígenas. Além disso, mostra a cobertura geográfica dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas e polos base, e a disponibilidade de leitos e respiradores em todos os municípios brasileiros. Também apresenta uma linha do tempo com o histórico de epidemias que atingiram as populações indígenas desde a invasão do Brasil pelos portugueses, em 1500. Por fim, reúne as notícias e uma lista de iniciativas de apoio às aldeias e comunidades quilombolas e ribeirinhas durante a pandemia.

“As vulnerabilidades dos povos indígenas reforçam a necessidade de ações emergenciais dos órgãos e entes públicos, como a Secretaria Especial de Saúde Indígena, União, Estados e Municípios, de forma complementar, coordenada e integrada, sobretudo na prevenção da disseminação da doença entre os povos indígenas, mas também na garantia do pleno atendimento, evitando a ocorrência de “pontos cegos” e a evolução dos casos eventualmente constatados decorrente da demora no atendimento”, afirma Antonio Oviedo, pesquisador do ISA.

A ideia é dar transparência para essas informações, apoiar a tomada de decisão dos órgãos públicos encarregados das ações emergenciais e informar a sociedade brasileiras sobre os riscos específicos enfrentados pelos povos da floresta com a pandemia do coronavírus. A integração dessas informações permite uma avaliação do grau de vulnerabilidade que as Terras Indígenas se encontram. Na quinta-feira (2/4), foi confirmada a primeira morte de uma indígena em decorrência da doença. Uma senhora de 87 anos, da etnia Borari, morreu em Alter do Chão (PA). Ainda essa semana, uma jovem de 20 anos da etnia Kokama testou positivo para a Covid-19 e está em isolamento em Santo Antônia do Içá (AM).

A principal estratégia da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) é de impedir a circulação entre cidades e aldeias. A entrada de não indígenas em Terras Indígenas está restrita apenas a viagens essenciais relacionadas com saúde e alimentação. Indígenas que estavam na cidade foram orientados a permanecer ali ou realizar quarentena fora das aldeias antes de retornar para suas comunidades.

Caso a pandemia se dissemine entre os índios, porém, o cenário será preocupante. Como isolar um paciente em uma maloca compartilhada por várias famílias, sem divisórias entre os espaços? Além disso, nas aldeias, há uma dificuldade de acesso a itens como sabão e álcool em gel, essenciais para prevenir a epidemia. Outra preocupação é com os casos mais graves, que precisam de atendimento hospitalar e internação.

“A maioria dos municípios no Brasil não tem Unidades de Terapia Intensiva (UTI) disponível e não vai dispor de leitos hospitalares caso a epidemia se dissemine no país”, lembrou Ana Lúcia Pontes, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz. “Muitas Terras Indígenas estão localizadas em municípios com esse tipo de perfil”.

Cidades x Terras Indígenas

É o caso dos municípios próximos às Terras Indígenas onde o ISA tem atuação. São Gabriel da Cachoeira (AM), com 45.564 habitantes, no Alto Rio Negro, não possui leitos de UTI e tem apenas oito respiradores, equipamentos são essenciais para salvar vidas dos pacientes com o quadro mais grave da Covid-19, que causa insuficiência respiratória. Um indígena de uma das TIs do Alto Rio Negro, próximas à São Gabriel, teria que ser deslocado até a cidade, e depois, ainda pegar um avião ou barco até Manaus, onde enfim teria acesso à uma UTI.

Em Canarana (MT), com 21.579 , cidade próxima ao Território Indígena do Xingu (TIX), só há um respirador e não existe leito de UTI. Em Altamira (PA) (99.075 habitantes)às margens do Rio Xingu, a situação é ligeiramente melhor, com 40 leitos de UTI (19 desses neonatais, ou seja, destinados a mulheres no pós-parto) e 43 respiradores. No entanto, apenas cinco deles estão no Sistema Único de Saúde (SUS). Boa Vista (RR) (399.213 habitantes) os de UTI e 154 respiradores.

A atenção especializada – atendimentos em hospitais com centros cirúrgicos e UTIs, por exemplo – sempre foi uma fragilidade do sistema de saúde indígena, segundo Ana Lúcia Pontes. É garantido por lei o direito dos indígenas de acessarem os serviços de saúde estaduais e municipais, em complementação ao atendimento da saúde indígena.

Apesar disso, a representatividade dos indígenas em conselhos e instâncias de decisão do sistema de saúde geral sempre foi um desafio. “Essa representatividade (dos povos indígenas) sempre foi uma luta, inclusive no Conselho Nacional de Saúde. É difícil negociar dentro dessas instâncias amplas”, afirma a pesquisadora da Fiocruz.

Com o avanço da pandemia, em que os hospitais e serviços de saúde tendem a ficar sobrecarregados, o problema pode piorar gravemente. Os hospitais terão de se preparar para receber esses indígenas em um cenário de superlotação, com uma explosão de demanda de leitos de internação.

O mapa lançado pelo ISA dá a dimensão do problema ao indicar onde estão algumas das regiões mais vulneráveis neste cenário e suas respectivas populações.

“A expansão da Covid-19 apresenta desafios ao nosso sistema social e de saúde. Entre eles estão a garantia da segurança alimentar e proteção dos territórios, bem como a capacidade de prever e quantificar o aparecimento de novos casos devido a infecções comunitárias. Em decorrência da mobilidade dos povos indígenas nos municípios vizinhos e invasões de garimpeiros e madeireiros ilegais no interior desses territórios, é possível que vejamos um crescente número de infecções nas aldeias. É preciso que o Estado brasileiro utilize informações como estas que estão sendo agrupadas nessa plataforma e esteja preparado para a detecção precoce, inclusive para combatê-la ao detectar situações de risco”, conclui Oviedo.

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