O que dizer, do lugar de onde estou lendo as notícias, daqui da minha cama quentinha e cheirosa, no meu apartamento em uma das cidades mais seguras do mundo para se fazer política e ativismo?
O que dizer do fato de Marielle ser executada após sair de um evento chamado “Mulheres negras movendo estruturas”?
Ver o live do evento, a fala potente de Marielle e suas companheiras, e pensar que aquela foi a sua última fala, é atordoante. A incredulidade, o choro, o grito de raiva e de dor não expressam. A distância geográfica e de lugar de luta e fala não diminui a revolta.
Penso na filha de Marielle. Uma jovem de 19 anos.
O sentimento de impotência se iguala à raiva e à dor.
O assassinato de Marielle Franco, mulher, negra, lésbica, da favela, ativista, vereadora eleita em 2016 com mais de 40 mil votos na segunda maior cidade do Brasil, não é mais um caso na crônica da violência urbana nas grandes cidades brasileiras. Trata-se de um crime político que tem como alvo não apenas Marielle, mas todo um movimento de politização, resistência, cidadania e empoderamento de mulheres negras.
Para além do choque que a brutalidade e a violência provocam, esse assassinato carrega em si o discurso do silenciamento de mulheres negras e periféricas como Marielle Franco. Mulheres que ousaram ocupar espaços especialmente propícios à exclusão de pessoas como elas. Mulheres que ousaram estudar e levantar a voz contra a opressão estrutural baseada em raça, classe, gênero e orientação e identidade sexual.
Peço, a partir dessa perspectiva que hoje, mais do que nunca, me parece tão paradoxalmente próxima e tao distante da realidade que ceifou a vida de Marielle, que não nos calemos, que gritemos, como fazia Marielle, para que este crime não fique sem solução, para a que as vozes de outras Marielles não sejam silenciadas, para que nossos direitos civis sejam respeitados, para que tenhamos uma sociedade onde fazer política não seja uma atividade de risco para indivíduos identificados com grupos oprimidos.
#Mariellepresente