Morte de Danijoy Pontes: “A justiça é racista”, gritaram manifestantes em Lisboa

Protestos ouvidos durante uma manifestação, na tarde deste sábado (06.11), foram em solidariedade para com Danijoy Pontes, que morreu no Estabelecimento Prisional de Lisboa, a 15 de setembro.

FONTEDW, por João Carlos
Carlos João/DW

Organizações do movimento negro, antirracistas, de imigrantes e de defesa dos direitos humanos, bem como familiares e amigos de Danijoy Pontes reclamam justiça face ao episódio ocorrido, em setembro deste ano, no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), e que levou à morte deste jovem de origem são-tomense de 23 anos de idade. Até então não são conhecidas as verdadeiras circunstâncias e as causas da morte de Danijoy Pontes. Face ao silêncio prolongado das autoridades competentes, a família exige que o Ministério Público português reabra o inquérito para esclarecer os factos com verdade. 

O Estabelecimento Prisional de Lisboa foi o sítio escolhido para ser o ponto de concentração do protesto para reivindicar justiça e contra o racismo institucional nas prisões portuguesas.

Contra a impunidade e o silêncio das instituições, Mamadou Ba, da SOS Racismo, insurgiu-se contra a violência policial e questionou sobre as razões que levavam os médicos a dar medicamentos a Danijoy. “Sob que critérios? Qual era o diagnóstico de saúde para lhe darem os medicamentos que lhe estavam a dar?”.

Mamadou Ba, SOS Racismo (Foto: Carlos João/DW)

O dirigente associativo questionou ainda se as autoridades do estabelecimento prisional tinham perguntado à família qual o historial médico do jovem e se terão informado a família sobre o tipo de medicação que lhe estava a ser ministrado. “E como é que podem explicar as discrepâncias que existem entre o relatório que foi feito pelo Instituto de Medicina Legal e o relatório da autópsia que agora descobre substâncias que não tinham sido descobertas no relatório pericial?” – insistiu Mamadou Ba na intervenção que fez no arranque da manifestação, por vezes interrompido com slogans como “Justiça por Danijoy” e “Justiça é Racista”.

Abusos e a violência na prisão de Lisboa

Ba lamentou que a direção do estabelecimento não tenha chamado a Polícia Judiciária para levar a cabo um inquérito, visando apurar as reais circunstâncias que motivaram a morte deste jovem. “Como é que a PSP [Polícia de Segurança Pública] se apressou a dizer que não tinha indícios de crime e ajudou o Ministério Público a arquivar o caso?”, inquiriu o dirigente da associação não-governamental.

Os pais do jovem denunciaram as atrocidades cometidas contra o filho na prisão. Alice dos Santos, a mãe radicada em Portugal, relatou pormenores que não eram conhecidos. “O meu filho falou muito bem comigo numa quarta-feira e avisou-me que tinha discutido com um guarda. E, na quinta-feira, o meu filho apareceu morto”, denunciou ela, lamentando a forma pouco ética e desumana como a notícia lhe foi dada.

Alice dos Santos, mãe de Danijoy (Foto: Carlos João/DW)

Alice não se coibiu de denunciar em voz alta os abusos e a violência que ocorrem na prisão de Lisboa, afirmando categoricamente que o filho foi assassinado. Fez alusão a uma marca de ferimento na testa e roupas com sangue, pelas imagens que disse ter registadas em fotografia. Por isso, contestou a ideia de que Danijoy terá morrido de ataque cardíaco.

Tanto os familiares do jovem morto, como a SOS Racismo, teceram críticas ao Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, por este ter dado pouca relevância ao caso, antes ou depois da sua recente deslocação a São Tomé e Príncipe, onde estivera para a tomada de posse do seu novo homólogo são-tomense, Carlos Vila Nova. Num contacto telefónico com a mãe do jovem em vésperas da sua viagem a São Tomé, o chefe de Estado português tudo garantiu para que se apurasse a verdade e as responsabilidades sobre a morte de Danijoy mas, segundo os familiares, nada fez.

“Chegou o momento de dizermos basta!”

Frente ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, ouviram-se vários testemunhos em solidariedade com a família enlutada, ao que não faltaram também críticas ao sistema de justiça portuguesa.

Nascido em Portugal, Pedro Lopes, que se associou aos protestos, contou à DW que também foi, injusta e inexplicavelmente, vítima das peripécias discriminatórias da polícia portuguesa. 

Depois de relatar os episódios que outrora viveu numa esquadra por ser negro, envolvendo agentes da polícia, afirmou concordar com as demais opiniões expressas por alguns dos manifestantes segundo os quais “a justiça é racista”.

“Eu sei como é que funcionam as coisas em relação aos negros», disse à DW. “Nós não somos santos, mas têm que nos respeitar como seres humanos” – advertiu. “Nós falhamos tanto como os outros, mas somos sempre usados como exemplo no que toca a penalizações”, acrescentou. “Eu acho que chegou o momento de dizermos basta!”, afirmou recordando que também tem filhos.

Danijoy, que não tinha qualquer antecedente criminal, foi condenado a seis anos de cadeia por furto de um telemóvel. Ficou 11 meses em prisão preventiva, ultrapassando o tempo recomendável, segundo os promotores da manifestação, que criticam o facto do jovem não ter aguardado julgamento em liberdade. Afirmam, num comunicado distribuído à imprensa, que Danijoy entrou saudável no EPL, mas, apesar disso, foi sistematicamente medicado sem que nada aparentemente o justificasse e sem que alguma vez a família fosse informada sobre as respetivas razões.

A manifestação percorreu as principais artérias do centro da capital, sempre seguida pela polícia, e culminou com uma concentração na Praça do Comércio sem que se tenham registado incidentes.

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