Mulheres em movimento

O MOVIMENTO de mulheres do Brasil é um dos mais respeitados do mundo e referência fundamental em certos temas do interesse das mulheres no plano internacional. É também um dos movimentos com melhor performance dentre os movimentos sociais do país. Fato que ilustra a potência deste movimento foram os encaminhamentos da Constituição de 1988, que contemplou cerca de 80% das suas propostas, o que mudou radicalmente o statusjurídico das mulheres no Brasil. A Constituição de 1988, entre outros feitos, destituiu o pátrio poder.

Por Sueli Carneiro

Esse movimento destaca-se, ainda, pelas decisivas contribuições no processo de democratização do Estado produzindo, inclusive, inovações importantes no campo das políticas públicas. Destaca-se, nesse cenário, a criação dos Conselhos da Condição Feminina – órgãos voltados para o desenho de políticas públicas de promoção da igualdade de gênero e combate à discriminação contra as mulheres. A luta contra a violência doméstica e sexual estabeleceu uma mudança de paradigma em relação às questões de público e privado. A violência doméstica tida como algo da dimensão do privado alcança a esfera pública e torna-se objeto de políticas específicas. Esse deslocamento faz com que a administração pública introduza novos organismos, como: as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams), os abrigos institucionais para a proteção de mulheres em situação de violência; e outras necessidades para a efetivação de políticas públicas voltadas para as mulheres, a exemplo do treinamento de profissionais da segurança pública no que diz respeito às situações de violência contra a mulher, entre outras iniciativas. De acordo com Suárez e Bandeira:

Apesar de suas imperfeições, as Deams são instituições governamentais resultantes da constituição de um espaço público, onde se articulou o discurso relativo aos direitos das mulheres de receberem um tratamento eqüitativo quando se encontram em situações de violências denunciadas. Diferentemente das outras delegacias, as Deams, evitam empregar métodos de condutas violentas, promovendo a negociação das partes em conflito. A grande particularidade dessas instituições policiais é admitirem a mediação como um recurso eficaz e legítimo. Nesse sentido, não é demais lembrar que a prática da mediação é crescentemente considerada um recurso valioso na administração dos conflitos interpessoais, na medida em que diminui o risco de os conflitos administrados terem desdobramentos violentos1.

No campo da sexualidade, “a luta das mulheres para terem autonomia sobre os seus próprios corpos, pelo exercício prazeroso da sexualidade, para poderem decidir sobre quando ter ou não filhos, resultou na conquista de novos direitos para toda a humanidade: os direitos sexuais e reprodutivos”2.

A desigualdade sofrida pelas mulheres em relação ao acesso ao poder foi enfrentada por diversas campanhas das quais resultaram a aprovação de projeto de lei, de iniciativa da então deputada Marta Suplicy, de reserva de 20% das legendas dos partidos para as candidatas mulheres.

Embora as desigualdades salariais significativas entre homens e mulheres que ocupam as mesmas funções permaneçam, é inegável que a crítica feminista sobre as desigualdades no mercado de trabalho teve papel importante na intensa diversificação, em termos ocupacionais, experimentada pelas mulheres nas últimas três décadas. Um dos orgulhos do movimento feminista brasileiro é o fato de, desde o seu início, estar identificado com as lutas populares e com as lutas pela democratização do país.

São memoráveis, para as feministas, o protagonismo que tiveram nas lutas pela anistia, por creche (uma necessidade precípua das mulheres de classes populares), na luta pela descriminalização do aborto que penaliza, inegavelmente, as mulheres de baixa renda, que o fazem em condições de precariedade e determinam em grande parte os índices de mortalidade materna existentes no país; entre outras ações.

Porém, em conformidade com outros movimentos sociais progressistas da sociedade brasileira, o feminismo esteve, também, por longo tempo, prisioneiro da visão eurocêntrica e universalizante das mulheres. A conseqüência disso foi a incapacidade de reconhecer as diferenças e desigualdades presentes no universo feminino, a despeito da identidade biológica. Dessa forma, as vozes silenciadas e os corpos estigmatizados de mulheres vítimas de outras formas de opressão além do sexismo, continuaram no silêncio e na invisibilidade.

As denúncias sobre essa dimensão da problemática da mulher na sociedade brasileira, que é o silêncio sobre outras formas de opressão que não somente o sexismo, vêm exigindo a reelaboração do discurso e práticas políticas do feminismo. E o elemento determinante nessa alteração de perspectiva é o emergente movimento de mulheres negras sobre o ideário e a prática política feminista no Brasil.

Enegrecendo o feminismo

Enegrecendo o feminismo é a expressão que vimos utilizando para designar a trajetória das mulheres negras no interior do movimento feminista brasileiro. Buscamos assinalar, com ela, a identidade branca e ocidental da formulação clássica feminista, de um lado; e, de outro, revelar a insuficiência teórica e prática política para integrar as diferentes expressões do feminino construídos em sociedades multirraciais e pluriculturais. Com essas iniciativas, pôde-se engendrar uma agenda específica que combateu, simultaneamente, as desigualdades de gênero e intragênero; afirmamos e visibilizamos uma perspectiva feminista negra que emerge da condição específica do ser mulher, negra e, em geral, pobre, delineamos, por fim, o papel que essa perspectiva tem na luta anti-racista no Brasil.

Ao politizar as desigualdades de gênero, o feminismo transforma as mulheres em novos sujeitos políticos. Essa condição faz com esses sujeitos assumam, a partir do lugar em que estão inseridos, diversos olhares que desencadeiam processos particulares subjacentes na luta de cada grupo particular. Ou seja, grupos de mulheres indígenas e grupos de mulheres negras, por exemplo, possuem demandas específicas que, essencialmente, não podem ser tratadas, exclusivamente, sob a rubrica da questão de gênero se esta não levar em conta as especificidades que definem o ser mulher neste e naquele caso. Essas óticas particulares vêm exigindo, paulatinamente, práticas igualmente diversas que ampliem a concepção e o protagonismo feminista na sociedade brasileira, salvaguardando as especificidades. Isso é o que determina o fato de o combate ao racismo ser uma prioridade política para as mulheres negras, assertiva já enfatizada por Lélia Gonzalez, “a tomada de consciência da opressão ocorre, antes de tudo, pelo racial”3.

A fortiori, essa necessidade premente de articular o racismo às questões mais amplas das mulheres encontra guarida histórica, pois a “variável” racial produziu gêneros subalternizados, tanto no que toca a uma identidade feminina estigmatizada (das mulheres negras), como a masculinidades subalternizadas (dos homens negros) com prestígio inferior ao do gênero feminino do grupo racialmente dominante (das mulheres brancas).

Em face dessa dupla subvalorização, é válida a afirmação de que o racismo rebaixa o status dos gêneros. Ao fazê-lo, institui como primeiro degrau de equalização social a igualdade intragênero, tendo como parâmetro os padrões de realização social alcançados pelos gêneros racialmente dominantes. Por isso, para as mulheres negras atingirem os mesmos níveis de desigualdades existentes entre homens e mulheres brancos significaria experimentar uma extraordinária mobilidade social, uma vez que os homens negros, na maioria dos indicadores sociais, encontram-se abaixo das mulheres brancas.

Nesse sentido, racismo também superlativa os gêneros por meio de privilégios que advêm da exploração e exclusão dos gêneros subalternos. Institui para os gêneros hegemônicos padrões que seriam inalcançáveis numa competição igualitária. A recorrência abusiva, a inflação de mulheres loiras, ou da “loirização”, na televisão brasileira, é um exemplo dessa disparidade.

A diversificação das concepções e práticas políticas que a ótica das mulheres dos grupos subalternizados introduzem no feminismo é resultado de um processo dialético que, se, de um lado, promove a afirmação das mulheres em geral como novos sujeitos políticos, de outro exige o reconhecimento da diversidade e desigualdades existentes entre essas mesmas mulheres.

Lélia Gonzalez faz sínteses preciosas que balizam a discussão: a primeira delas diz respeito às contradições que historicamente marcaram a trajetória das mulheres negras no interior do Movimento Feminista Brasileiro, e a segunda refere-se à crítica fundamental que a ação política das mulheres negras introduziu no feminismo e que vem alterando significativamente suas percepções, comportamentos e instituições sociais. De acordo com González, as concepções do feminismo brasileiro:

padeciam de duas dificuldades para as mulheres negras: de um lado, o viés eurocentrista do feminismo brasileiro, ao omitir a centralidade da questão de raça nas hierarquias de gênero presentes na sociedade, e ao universalizar os valores de uma cultura particular (a ocidental) para o conjunto das mulheres, sem as mediações que os processos de dominação, violência e exploração que estão na base da interação entre brancos e não-brancos, constitui-se em mais um eixo articulador do mito da democracia racial e do ideal de branqueamento. Por outro lado, também revela um distanciamento da realidade vivida pela mulher negra ao negar toda uma história feita de resistências e de lutas, em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral – que nada tem a ver com o eurocentrismo desse tipo de feminismo 4.

A consciência de que a identidade de gênero não se desdobra naturalmente em solidariedade racial intragêneroconduziu as mulheres negras a enfrentar, no interior do próprio movimento feminista, as contradições e as desigualdades que o racismo e a discriminação racial produzem entre as mulheres, particularmente entre negras e brancas no Brasil. O mesmo se pode dizer em relação à solidariedade de gênero intragrupo racial que conduziu as mulheres negras a exigirem que a dimensão de gênero se instituísse como elemento estruturante das desigualdades raciais na agenda dos Movimentos Negros Brasileiros.

Essas avaliações vêm promovendo o engajamento das mulheres negras nas lutas gerais dos movimentos populares e nas empreendidas pelos Movimentos Negros e Movimentos de Mulheres nos planos nacional e internacional, buscando assegurar neles a agenda específica das mulheres negras. Tal processo vem resultando, desde meados da década de 1980, na criação de diversas organizações de mulheres negras que hoje se espalham em nível nacional; de fóruns específicos de discussões programáticas e instâncias nacionais organizativas das mulheres negras no país a partir dos quais os temas fundamentais da agenda feminista são perscrutados pelas mulheres negras à luz do efeito do racismo e da discriminação racial. Nesse sentido, apontamos a seguir os principais vetores que nortearam as propostas do movimento, o que resultou em mudanças efetivas na ótica feminista.

Mercado de trabalho

É sobejamente conhecido a distância que separa negros e brancos no país no que diz respeito à posição ocupacional. O movimento de mulheres negras vem pondo em relevo essa distância, que assume proporções ainda maiores quando o tópico de gênero e raça é levado em consideração.

Nesse sentido, é mister apontar que os ganhos obtidos pela luta feminista no mercado de trabalho. Malgrado se constituírem em grandes avanços, não conseguiram dirimir as desigualdades raciais que obstaculizam maiores avanços para as mulheres negras nessa esfera. Sendo assim, as propostas universalistas da luta das mulheres não só mostram a sua fragilidade, como a impossibilidade de as reivindicações que daí advêm, tornarem-se viáveis para enfrentar as especificidades do racismo brasileiro.

Em relação às mudanças na estrutura ocupacional do país, Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva afirmavam, na década de 1980, que

Em definitivo, as mulheres não só tendem a conseguir uma melhor distribuição na estrutura ocupacional, como também abandonam os setores de atividade que absorvem a força de trabalho mais qualificada e pior remunerada, para ingressar em proporções crescentes na indústria e nos serviços modernos. As tendências observadas permitem sugerir, de maneira provisória, a possibilidade de uma diferenciação dos mercados de trabalho para as mulheres: enquanto as mulheres oriundas das classes populares, com baixos níveis de escolaridade, tendem a concentrar-se na prestação de serviços e nos empregos ligados à produção na indústria, as mulheres de classe média, dotadas de níveis mais elevados de educação formal, dirigem-se para os serviços de produção e de consumo coletivo5.

Em outros estudos, como o de Márcia Lima sobre Trajetória educacional e realização sócio-econômica das mulheres negras, torna-se evidente que

o fato de 48% das mulheres pretas […] estarem no serviço doméstico é sinal de que a expansão do mercado de trabalho para essas mulheres não significou ganhos significativos. E quando esta barreira social é rompida, ou seja, quando as mulheres negras conseguem investir em educação numa tentativa de mobilidade social, elas se dirigem para empregos com menores rendimentos e menos reconhecidos no mercado de trabalho6.

Os diferentes retornos auferidos pelas mulheres de uma luta que se pretendia universalizante tornava insustentável o não reconhecimento do peso do racismo e da discriminação racial nos processos de seleção e alocação da mão-de-obra feminina, posto que as desigualdades se mantêm mesmo quando controladas as condições educacionais. Em síntese, o quesito “boa aparência”, um eufemismo sistematicamente denunciado pelas mulheres negras como uma forma sutil de barrar as aspirações dos negros, em geral, e das mulheres negras, em particular, revelava em números, no mercado de trabalho, todo o seu potencial discricionário.

A questão política que decorre dessa realidade será a exigência de que o combate ao racismo, à discriminação racial e aos privilégios que ele institui para as mulheres brancas seja tomado como elemento estrutural do ideário feminista; um imperativo ético e político que reflita os anseios coletivos da luta feminista de representar as necessidade e os interesses do conjunto de mulheres.

No entanto, se é crescente no âmbito do movimento feminista brasileiro a compreensão da imperiosidade do combate às desigualdades raciais de que padecem as mulheres negras no mercado de trabalho, permanece no senso comum, e mesmo na percepção de importantes formadores de opinião, as visões consagradas pelo mito da democracia racial, tal como demonstrado no artigo da juíza federal Mônica Sifuentes “Direito e justiça” publicado no Jornal Correio Braziliense, de 18 de fevereiro de 2002. Na oportunidade, a juíza argumenta contra a adoção das políticas de cotas para negros. Peremptoriamente, ela diz:

[…] para nós mulheres não houve necessidade de se estipular quotas. Bastou a concorrência em igualdade de condições com os homens para que hoje fôssemos maioria em todos os cursos universitários do país.

Em resposta a esse artigo, reagimos ao pronome nobre utilizado pela juíza, com o artigo “Nós?”, publicado no mesmo jornal em 22 de fevereiro de 2002, no qual fazíamos os seguintes questionamentos:

O argumento da juíza não leva em conta o fato de os homens entrarem mais cedo do que as mulheres no mercado de trabalho com prejuízos para a sua permanência no sistema educacional e que apesar disso, os estudos recentes sobre a mulher no mercado de trabalho revelam que elas precisam de uma vantagem de cinco anos de escolaridade para alcançar a mesma probabilidade que os homens têm de obter um emprego no setor formal. Para as mulheres negras alcançarem os mesmos padrões salariais das mulheres brancas com quatro a sete anos de estudos elas precisam de mais quatro anos de instrução, ou seja, de oito a onze anos de estudos. Essa é a igualdade de gênero e de raça instituídas no mercado de trabalho e o retorno que as mulheres, sobretudo as negras, tem do seu esforço educacional7.

Violência: os outros aspectos da questão

Em relação ao tópico da violência, as mulheres negras realçaram uma outra dimensão do problema. Tem-se reiterado que, para além da problemática da violência doméstica e sexual que atingem as mulheres de todos os grupos raciais e classes sociais, há uma forma específica de violência que constrange o direito à imagem ou a uma representação positiva, limita as possibilidades de encontro no mercado afetivo, inibe ou compromete o pleno exercício da sexualidade pelo peso dos estigmas seculares, cerceia o acesso ao trabalho, arrefece as aspirações e rebaixa a auto-estima.

Esses são os efeitos da hegemonia da “branquitude” no imaginário social e nas relações sociais concretas. É uma violência invisível que contrai saldos negativos para a subjetividade das mulheres negras, resvalando na afetividade e sexualidade destas. Tal dimensão da violência racial e as particularidades que ela assume em relação às mulheres dos grupos raciais não-hegemônicos vem despertando análises cuidadosas e recriação de práticas que se mostram capazes de construir outros referenciais. A historiadora e cineasta negra Beatriz Nascimento, em seu belo artigo “A mulher negra e o amor”, salienta que:

Convivendo em uma sociedade pluriracial, que privilegia padrões estéticos femininos como ideal de um maior grau de embranquecimento, (desde a mulher mestiça até à branca), seu trânsito afetivo é extremamente limitado. Há poucas chances para ela numa sociedade em que a atração sexual está impregnada de modelos raciais, sendo ela representante da etnia mais submetida. Sua escolha por parte do homem passa pela crença de que seja mais erótica ou mais ardente sexualmente do que as demais, crença relacionada às características do seu físico, muitas vezes exuberante. Entretanto, quando se trata de um relacionamento institucional, a discriminação étnica funciona como um impedimento, mais reforçado à medida que essa mulher alça uma posição de destaque social […] No contexto em que se encontra, cabe a essa mulher a desmistificação do conceito de amor, transformando este em dinamizador cultural e social (envolvimento na atividade política, por exemplo), buscando mais a paridade entre os sexos do que a “igualdade iluminista”. Rejeitando a fantasia da submissão amorosa, pode surgir uma mulher preta participante, que não reproduza o comportamento masculino autoritário, já que se encontra no oposto deste, podendo, assim, assumir uma postura crítica, intermediando sua própria história e seus ethos. Levantaria ela a proposta de parcerias nas relações sexuais que, por fim, se distribuiria nas relações sociais mais amplas8.

A médica negra Regina Nogueira em seu artigo “Mulher negra e obesidade” questiona a tirania estética que o padrão branco hegemônico impôs a todas as mulheres não-brancas e advoga um novo direito: “A mulher negra deve exigir que sua imagem represente toda a diversidade de seus valores culturais”9.

Saúde

Dentre as contribuições do feminismo negro, ocupa lugar privilegiado a incorporação da temática da saúde e dos direitos reprodutivos na agenda da luta anti-racista e o reconhecimento das diferenças étnicas e raciais nessa temática.

Nessa perspectiva, a luta pela inclusão do quesito cor, sobretudo nos sistemas de classificação da população, tem se constituído um desafio permanente e objeto da ação política de aguerridas ativistas para as quais, como afirma a médica negra Fátima Oliveira:

[…] a compreensão da dimensão das diferenças e diferenciais raciais/étnicos, da opressão de gênero e do racismo na manutenção, recuperação e perda da saúde em sociedade classista. As controvérsias são tantas e tamanhas que o quesito cor – a identificação racial – é um problema/desafio nos meios científicos, entre profissionais, serviços, formuladores e implementadores das políticas de saúde. […] Os argumentos a favor e contra o preenchimento da cor das pessoas são inúmeros. As acusações de posturas racistas partem de ambos os lados. Quando o item existe nos formulários, a negligência no seu preenchimento é regra. Mesmo quando preenchido por autodeclaração ou por observação do(a) profissional, não se sabe muito bem nem para que serve e nem o que fazer com ele. Em geral, os serviços não o consideram um dado epidemiológico essencial10.

A esterilização ocupou lugar privilegiado durante anos na agenda política das mulheres negras que produziram campanhas contra a esterilização de mulheres em função dos altos índices que esse fenômeno adquiriu no Brasil, fundamentalmente entre mulheres de baixa renda (a maioria das mulheres que são esterilizadas o fazem porque não encontram no sistema de saúde a oferta e diversidade dos métodos contraceptivos reversíveis que lhes permitiriam não ter de fazer a opção radical de não poder mais ter filhos). Esse tema foi, também, objeto de proposições legislativas, numa parceria entre parlamentares e ativistas feministas que culminou no projeto de Lei nº 209/91, que regulamentou o uso da esterilização.

Outro tema de relevância na luta das mulheres negras na área da saúde é a implantação de um programa de atenção à anemia falciforme, que consiste “numa anemia hereditária e constitui a doença genética mais comum da população negra”. No Brasil, é “uma questão de saúde pública”11, e as ações por políticas públicas para a atenção aos portadores dessa doença de ativistas negras e outros atores da área da saúde resultaram no Programa de Anemia Falciforme do Ministério da Saúde – PAF-MS.

Apesar da importante conquista que o PAF representa para o enfrentamento da anemia falciforme, somente no Estado de Minas Gerais esse programa foi adotado integralmente, havendo ainda iniciativas esparsas em alguns municípios de outros Estados do país. A doença atinge, segundo as estimativas, cerca de 10% da população brasileira, notadamente negros ou seus descendentes.

Uma nova área de pesquisa e intervenção política – a da bioética – vem sendo desenvolvida quase que solitariamente por Fátima de Oliveira numa perspectiva feminista e anti-racista, cujas preocupações fundamentais são:

as interfaces dos novos saberes das biociências, em particular da genética, sobretudo os oriundos dos megaprojetos da genética humana (Projeto Genoma Humano – PGH e Projeto da Diversidade do Genoma Humano – PDGH) e a utilização distorcidas deles pelas teorias racistas12.

Oliveira aponta os riscos de desenvolvimento de práticas eugenistas nas pesquisas com seres humanos. E, sobretudo, convoca feministas e anti-racistas para atuarem nos fóruns em que esses temas são tratados, pois considera que:

Na atualidade, bioeticistas e fóruns de bioética, majoritariamente masculinos e brancos, são os setores da sociedade que adquiriram legitimidade, no mundo, perante legisladores e governos. Movimentos sociais com tradição de luta como o feminista, o anti-racista e da juventude ainda estão fora dos debates e das decisões na área de bioética. O que é preocupante, pois a bioética aborda assuntos que dizem respeito à toda a sociedade, tais como: os temas dos direitos reprodutivos (concepção, contracepção, esterilização, aborto. Infertilidade e NTRc – Novas Tecnologias Reprodutivas conceptivas), saúde pública, sexualidade, doentes terminais, eutanásia e manipulação genética13.

Meios de comunicação

Os meios de comunicação vêm se constituindo em um espaço de interferência e agendamento de políticas do movimento de mulheres negras, pois a naturalização do racismo e do sexismo na mídia reproduz e cristaliza, sistematicamente, estereótipos e estigmas que prejudicam, em larga escala, a afirmação de identidade racial e o valor social desse grupo. Segundo Antonia Quintão

a exclusão simbólica, a não-representação ou distorções da imagem da mulher negra nos meios de comunicação são formas de violência tão dolorosas, cruéis e prejudiciais que poderiam ser tratadas no âmbito dos direitos humanos14.

Se partimos do entendimento de que os meios de comunicação não apenas repassam as representações sociais sedimentadas no imaginário social, mas também se instituem como agentes que operam, constroem e reconstroem no interior da sua lógica de produção os sistemas de representação, levamos em conta que eles ocupam posição central na cristalização de imagens e sentidos sobre a mulher negra. Muito tem se falado a respeito das implicações dessas imagens e dos mecanismos capazes de promover deslocamentos para a afirmação positiva desse segmento.

A presença minoritária de mulheres negras nas mídias, bem como a fixação dessa presença em categorias específicas (a mulata, a empregada doméstica) foi um dos assuntos mais explorados nesse aspecto.

A despeito de algumas mudanças, pois presenciamos gradativamente a presença de mulheres negras em espaços outros que não somente os de subserviência, consideramos que mudanças radicais ainda precisam ser efetivadas (temos, atualmente, uma apresentadora negra no Fantástico, exibido pela Rede Globo, as novelas passam a contar com personagens que ocupam posições de certo prestígio e destaque). De acordo com os produtores dos meios, essa mudança reflete, igualmente, mudanças radicais na situação da mulher negra brasileira, que não mais estão ocupando apenas posições subalternas.

Embora proceda sob certos aspectos, consideramos que essa afirmativa possui uma conotação capciosa e perversa, que encobre as manobras de padrão já estabelecidas pela mídia e que são encobertas por uma possível correlação com a realidade. Esperamos que a mulher negra seja representada levando-se em conta o espectro de funções e as habilidades que ela pode exercer, mesmo em condições econômicas adversas.

Nesse sentido, segundo Nilza Iraci15, são ainda grandes os desafios na área dos meios de comunicação e da imagem em prol da construção de um novo imaginário da mulher negra nesse espaço, e, por extensão, nas instâncias de decisão política e na sociedade. Existe uma consciência crescente entre as mulheres negras de que os processos relacionados à globalização e à nova ordem mundial requerem novas formas de ação e, nesse sentido, tratar a comunicação como um nexo de empoderamento tem sido fundamental para garantir-lhes uma representação positiva bem como a visibilização do processo de mobilização e de lutas.

As mulheres negras vêm atuando no sentido de não apenas mudar a lógica de representação dos meios de comunicação de massa, como também da capacitar suas lideranças para o trato com as novas tecnologias de informação, pois falta de poder dos grupos historicamente marginalizados para controlar e construir sua própria representação possibilita a crescente veiculação de estereótipos e distorções pelas mídias, eletrônicas ou impressas.

Novas utopias e as novas agendas feministas

A conseqüência do crescente protagonismo das mulheres negras no interior do Movimento Feminista Brasileiro pode ser percebido na significativa mudança de perspectiva que a nova Plataforma Política Feminista adota. Essa Plataforma, proveniente da Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras realizada em 6 e 7 de junho de 2002, em Brasília, reposiciona a luta feminista no Brasil nesse novo milênio, sendo gestada (como é da natureza feminina) coletivamente por mulheres negras, indígenas, brancas, lésbicas, nortistas, nordestinas, urbanas, rurais, sindicalizadas, quilombolas, jovens, de terceira idade, portadoras de necessidades especiais, de diferentes vinculações religiosas e partidárias… que se detiveram criticamente sobre as questões mais candentes da conjuntura nacional e internacional, nos obstáculos contemporâneos persistentes para a realização da igualdade de gênero e os desafios e mecanismos para a sua superação tendo os seguintes princípios como orientadores das análises e propostas:

• reconhecer a autonomia e a autodeterminação dos movimentos sociais de mulheres;

• comprometer-se com a crítica ao modelo neoliberal injusto, predatório e insustentável do ponto de vista econômico, social, ambiental e ético;

• reconhecer os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais das mulheres;

• comprometer-se com a defesa dos princípios de igualdade e justiça econômica e social;

• reconhecer o direito universal à educação, saúde e previdência;

• comprometer-se com a luta pelo direito à terra e à moradia;

• comprometer-se com a luta anti-racista e a defesa dos princípios de eqüidade racial-étnica;

• comprometer-se com a luta contra todas as formas de discriminação de gênero, e com o combate a violência, maus-tratos, assédio e exploração de mulheres e meninas;

• comprometer-se com a luta contra a discriminação a lésbicas e gays;

• comprometer-se com a luta pela assistência integral à saúde das mulheres e pela defesa dos direitos sexuais e reprodutivos;

• reconhecer o direito das mulheres de ter ou não ter filhos com acesso de qualidade à concepção e/ou contracepção;

• reconhecer o direito de livre exercício sexual de travestis e transgêneros;

• reconhecer a discriminalização do aborto como um direito de cidadania e uma questão de saúde pública e reconhecer que cada pessoa tem direito as diversas modalidades de família e apoiar as iniciativas de parceria civil registrada […]16.

Diz a feminista e cientista política norte-americana Nancy Fraser que a um conceito amplo de gênero que incorpore a diversidade de femininos e feminismos historicamente construídos, deve corresponder “um conceito de justiça tão abrangente quanto, e que seja capaz de englobar igualmente a distribuição e o reconhecimento”17.

Nessa direção, como já apontamos no artigo citado anteriormente, a Plataforma Política Feminista que resulta daConferência Nacional das Mulheres Brasileiras representa o coroamento de quase duas décadas de luta pelo reconhecimento e incorporação do racismo, da discriminação racial e das desigualdades de gênero e raça que eles geram. Tal concepção constitui-se em um dos eixos estruturais da luta das mulheres brasileiras. A Plataforma, ao incorporar esse princípio, sela um pacto de solidariedade e co-responsabilidade entre mulheres negras e brancas na luta pela superação das desigualdades de gênero e entre as mulheres no Brasil. Redefine os termos de uma verdadeira justiça social no Brasil. Como afirma Guacira César de Oliveira da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras e uma das integrantes da Comissão Organizadoras da Conferência:

reafirmamos que os movimentos de mulheres e feministas querem radicalizar a democracia, deixando claro que ela não existirá enquanto não houver igualdade; que não haverá igualdade sem distribuição das riquezas; e não há distribuição sem o reconhecimento das desigualdades entre os homens e mulheres, entre brancos e negros, entre urbanos e rurais, que hoje estruturam a pobreza. Não almejam a mera inversão dos papéis, mas um novo marco civilizatório18.

Diz-nos Fraser ainda: “[…] situo lutas de gênero como uma das facetas de um projeto político mais amplo que busque uma justiça democrática institucio-nalizante, cruzando os múltiplos eixos da diferenciação social”19.

Nessa perspectiva, a Plataforma Política Feminista oferece à sociedade a contribuição para uma sociedade democrática e socialmente justa. Sinaliza, claramente, para a urgência de instituição de um novo marco civilizatório no qual são colocados em questão a necessidade de avançar a democracia política:

A democracia política representativa – que tem no voto seu instrumento básico de funcionamento – vigora no Brasil como se fosse a única prática le-gítima de exercício de poder, apesar da forte crise de legitimidade de suas instituições. […] A democracia representativa ainda está impregnada dos perfis racista, sexista e classista da sociedade brasileira, que consolidaram um poder hegemônico de face masculina, branca e heterossexual, em que pesem as diferenças político-ideológicas entre os partidos. Essa situação tem sido ainda agravada pela política liberal/conservadora vigente que, com seus mecanis-mos de poder junto ao sistema econômico e ao sistema de comunicação de massa, restringe as possibilidades de disputa política para muitos segmentos20.

A crítica incide também sobre o Estado Democrático de Direito e Justiça Social onde se aponta a concentração de riqueza, a dimensão de gênero e raça/etnia das desigualdades e exclusão social:

a desigualdade cresce também através das atuais práticas fiscais, que favorecem a acumulação livre do capital e restringem o acesso à riqueza nacional por parte da grande maioria da população, principalmente as mulheres negras e indígenas. (parágrafo 31)

E, fundamentalmente, em busca de um novo marco civilizatório, as mulheres se posicionam claramente contra a ordem neoliberal:

Os movimentos brasileiros de mulheres opõem-se às políticas neoliberais e de ajuste estrutural e reafirmam a necessidade de que o Estado desenvolva políticas públicas afirmativas para a superação da pobreza, a geração de renda e emprego e a garantia de bem-estar. (parágrafo 33)

O grande desafio é propor, articular e implementar propostas conseqüentes que estejam afinadas com um projeto radical de superação desses problemas e vislumbre novos ideais. Paulatinamente, o movimento de mulheres negras vem sinalizando para iniciativas fundamentais nas imbricações entre racismo e sexismo.

Nas últimas décadas o movimento de mulheres vem se firmando como sujeito político ativo no processo brasileiro de democratização política e de mudança de mentalidades. É nessa condição que convidamos toda a sociedade para debater os entraves que, ainda nesse início de milênio, dificultam em nosso país o estabelecimento da justiça social de gênero, de raça/etnia e de classe, para todos as pessoas em todos os aspectos de suas vidas21. (parágrafo 11)

Essa articulação permanente das exclusões de gênero e raça determinadas pelas práticas sexistas e racistas constituía um dos pré-requisitos fundamentais para selar uma perspectiva de luta comum entre mulheres negras e brancas no contexto da luta feminista.

O jornal Folha de S. Paulo assim noticiou o evento de lançamento da Plataforma Política Feminista em 6 de agosto de 2002 na OAB – São Paulo: “um grupo de ONGs lançará hoje a Plataforma Política Feminista. O documento traz propostas de interesse das mulheres para reforma agrária e meio ambiente e de combate ao racismo”22.

Os conteúdos destacados pelo jornal são indicativos do impacto da perspectiva das mulheres negras sobre a agenda feminista brasileira. O combate ao racismo, antes questão periférica ou inexistente, torna-se um dos elementos estruturais da Plataforma Política Feminista. De igual maneira, as questões de reforma agrária e meio ambiente sublinhadas pelo jornal são temas do interesse das mulheres populares nas quais as mulheres negras estão diretamente imbricadas pela prevalência da população negra nas áreas rurais do país. Some-se a isso a conflituosa situação das comunidades remanescentes de quilombos em disputa de suas terras ancestrais com empreendimentos agropecuários, madeireiros e grilagens para fins de especulação imobiliária que operam para postergar a titulação de suas terras um direito conquistado e reconhecido pelo artigo 68 da Constituição Federal.

Seguindo em frente…

Pensar a contribuição do feminismo negro na luta anti-racista é trazer à tona as implicações do racismo e do sexismo que condenaram as mulheres negras a uma situação perversa e cruel de exclusão e marginalização sociais. Tal situação, por seu turno, engendrou formas de resistência e superação tão ou mais contundentes.

O esforço pela afirmação de identidade e de reconhecimento social representou para o conjunto das mulheres negras, destituído de capital social, uma luta histórica que possibilitou que as ações dessas mulheres do passado e do presente (especialmente as primeiras) pudessem ecoar de tal forma a ultrapassarem as barreiras da exclusão. O que possibilitou, por exemplo, que a primeira romancista brasileira fosse uma negra a despeito das contingências sociais em que ela emergiu?

Os efeitos do racismo e do sexismo são tão brutais que acabam por impulsionar reações capazes de recobrir todas as perdas já postas na relação de dominação.

O efervescente protagonismo das mulheres negras, orientado num primeiro momento pelo desejo de liberdade, pelo resgate de humanidade negada pela escravidão e, num segundo momento, pontuado pelas emergências das organizações de mulheres negras e articulações nacionais de mulheres negras, vem desenhando novos cenários e perspectivas para as mulheres negras e recobrindo as perdas históricas.

Sumariamente, podemos afirmar que o protagonismo político das mulheres negras tem se constituído em força motriz para determinar as mudanças nas concepções e o reposicionamento político feminista no Brasil. A ação política das mulheres negras vem promovendo:

• o reconhecimento da falácia da visão universalizante de mulher;

• o reconhecimento das diferenças intragênero;

• o reconhecimento do racismo e da discriminação racial como fatores de produção e reprodução das desigualdades sociais experimentadas pelas mulheres no Brasil;

• o reconhecimento dos privilégios que essa ideologia produz para as mulheres do grupo racial hegemônico;

• o reconhecimento da necessidade de políticas específicas para as mulheres negras para a equalização das oportunidades sociais;

• o reconhecimento da dimensão racial que a pobreza tem no Brasil e, conseqüentemente, a necessidade do corte racial na problemática da feminização da pobreza;

• o reconhecimento da violência simbólica e a opressão que a brancura, como padrão estético privilegiado e hegemônico, exerce sobre as mulheres não-brancas.

E a introdução dessas questões na esfera pública contribuem, ademais, para o alargamentos dos sentidos de democracia, igualdade e justiça social, noções sobre as quais gênero e raça impõem-se como parâmetros inegociáveis para a construção de um novo mundo.

Notas

1 Mireya Suárez e Lourdes Bandeira, 2002, p. 299.
2 Plataforma Política Feminista, parágrafo 8 – Aprovada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras em 6-7 de junho de 2002. Distribuição CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Brasília, 2002.
3 Apud Luiza Bairros, 2000, p. 56.
4 Lélia Gonzalez citada por Luiza Bairros, 2000,p. 57.
5 Carlos Hasenbalg e Nelson Silva Valle, p. 37.
6 Márcia Lima, 1995, p. 28.
7 Sueli Carneiro, 2002b, p.5.
8 Beatriz Nascimento, 1990, p. 3.
9 Regina Nogueira, 2000, p. 201.
10 Fátima Oliveira, 1998, p. 43.
11 Idem, p. 133.
12 Idem, p. 132.
13 Idem, p. 130.
14 Antonia Aparecida Quintão, 1999.
15 Em Nós mulheres negras – Diagnóstico e propostas da Articulação de ONGs de Mulheres Negras rumo à III Conferência Mundial contra o Racismo, 2001, pp. 22-23.
16 Sueli Carneiro, 2002e, p.5
17 Nancy Fraser, 2002, p. 63.
18 Esses comentários foram, originalmente, publicados no jornal na Coluna Opinião do Jornal Correio Braziliense de 14/6/2002.
19 Nancy Fraser, 2002, p.63
20 Plataforma Política Feminista aprovada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB) em 6 e 7 de junho de 2002. Parágrafos 12 e 13.
21 Plataforma Política Feminista aprovada na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB) em 6 e 7 de junho de 2002. Parágrafo 11.
22 Jornal Folha de S. Paulo de 6 de agosto de 2002. Painel – A4.

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Texto recebido e aceito para publicação em 15 de setembro de 2003

Sueli Carneiro é diretora do Geledés Instituto da Mulher Negra; filósofa, doutoranda em Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo; pesquisadora do CNPq e articulista do jornal Correio Braziliense.

Fonte: Enegrecer

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