Mulheres negras têm poder de internacionalizar lutas e reconfigurar a política

Julho das Pretas aprofunda debate que se impõe como estrutural para o mundo

Do ponto de vista das lutas históricas em prol das mudanças monumentais que precisam incidir no mundo capitalista, portanto desigual, tornou-se referência inescapável a exortação peremptória de Karl Marx: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!”.

Com esse quase proverbial enunciado, Marx não deixa sombra de dúvidas de que a luta pela emancipação dos trabalhadores tem um inarredável caráter internacionalista. Não podemos esquecer que Lênin, com a teoria do imperialismo, e Trótski, com a teoria da revolução permanente, adensaram o postulado marxiano na virada do século 19 para o 20.

Mulheres participam da Marcha da Consciência Negra – Danilo Verpa – 20.nov.2020/Folhapress

No cenário plúmbeo desta quadra da história, em que se tornaram raros enunciados emancipatórios capazes de construir uma plataforma comum que circule em escala planetária, testemunhamos a ascensão de uma triste retórica, vocalizada em grande medida pelos neofascismos. Decididamente, a regressão e o politicídio tornaram-se cifras que se espraiam em todas as latitudes da vida coletiva.

Por força do imperativo tecnológico, internacionalizou-se uma “vanguarda” reacionária, autoritária, messiânica e apocalíptica, azeitada por uma ação comunicativa que subscreve a alterofobia. Mas como disse em outros momentos, o canto fúnebre que se elevou sobre nossas cabeças não conseguiu silenciar o coro de múltiplas vozes feministas e negras que laboram para a sobrevida daquilo que querem morto ou inerte.

Nós, mulheres negras, reposicionamos a perspectiva internacionalista de nossas lutas, reafirmamos a vocação diaspórica negra em pensar, propor e agir de forma conjunta, enfrentando o racismo e o sexismo —dois eixos extremos de diferenciação negativa no mundo capitalista.

Sabe-se que o flagelo da escravidão transatlântica, que veio envelopado com o patriarcado de sempre, fez com que mulheres negras tivessem uma experiência comum nas Américas.

Tal realidade já foi examinada e enfrentada por feministas e pensadoras negras brasileiras da estatura de Lélia Gonzalez, Sueli CarneiroLuiza Barros, Valdecir Nascimento e Jurema Werneck. Num movimento de concomitância, ecoamos também “Mulheres negras da diáspora, lutemos!”

25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, e também Dia Nacional de Tereza de Benguela, é um dos pontos de inflexão desse movimento, que deixa transparecer a veia internacionalista das nossas lutas que vão da Colômbia ao México, do Uruguai ao Chile, de Barbados a Curaçao, das Bahamas a Aruba e dos nossos territórios para o mundo.

O dia foi consensuado em 1992 quando, em Santo Domingo, República Dominicana, no 1º Encontro de Mulheres Negras Latino-Americanas e Caribenhas, as participantes colocaram em pauta a dimensão regional e global do racismo e do sexismo, situando essas duas formas de exclusão em um nível insuprimível da agenda política contemporânea (portanto, não nos cabe a etiqueta de identitárias).

O “Julho das Pretas”, uma criação do Odara – Instituto da Mulher Negra (organização de Salvador), vem ganhando cada vez mais adesão no Brasil, na esteira dos compromissos firmados em Santo Domingo, convertendo-se cada vez mais em uma temporalidade que não se reduz a um calendário de atividades, mas em uma etapa de aprofundamento do debate que se impõe como estrutural para o mundo.

Falar em “desdemocracia” e liberalismo iliberal, em populismo autoritário e avanço dos nacionalismos xenófobos requer a adoção de novas configurações da política num momento em que é o próprio pacto civilizatório que está em jogo.

O Julho das Pretas é uma grande e generosa janela de oportunidades para que possamos internacionalizar uma luta que deveria ser de todas e todos, já que “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, como bem lembrou Angela Davis.

Viva as mulheres negras da Diáspora!

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Geledés Instituto da Mulher Negra
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