Navegando pelas redes sociais, me deparei com uma publicação sobre a trajetória dos antepassados de um conhecido lá do Rio Grande do Sul, minha terra natal. A pessoa homenageou o pai com a narrativa dos feitos da família desde a chegada dos tataravós ao Brasil, em 1889, no ápice da imigração europeia.
Fiquei encantada com a riqueza do relato. Incluía detalhes sobre a cidade de origem da família, procedente do norte da Itália; os nomes completos; características físicas, como o “sorriso bonito”; habilidades pessoais; tradições trazidas que seguem vivas e preservadas… Uma porção de coisas importantes na construção da identidade de um ser humano. Muito bonito.
Não consegui evitar a frustração de não poder fazer algo semelhante e render homenagem aos que antecederam meus avós. Quem foram os meus bisavôs? De que lugar da África vieram? O que deixaram para trás quando foram sequestrados e escravizados? Como se conheceram? Quantos filhos tiveram? Não faço ideia. O apagamento desfez no tempo espaço o elo entre meu passado e o presente. Minha memória genealógica foi roubada ao longo do ciclo de escravização. Não só a minha.
Não é segredo que o Estado brasileiro tratou de tirar dos negros o direito à história pessoal. É coisa que fere o direito à identidade e está na base do pleito por ações de reparação pela escravização, uma demanda histórica dos movimentos sociais negros.
Na tentativa de evitar que o “Plano Nacional de Ações de Igualdade Racial” (lançamento previsto para o Dia Nacional da Consciência Negra) caia no vazio, o Ministério Público Federal marcou audiência pública para 22 de outubro. Tema: “Ações de reparação pelo Banco do Brasil e construção do pacto pela igualdade racial”. Há cerca de um ano, o BB pediu perdão pela participação na sustentação do mercado escravista e anunciou medidas de combate ao racismo institucionalizado.
A recomposição do passado é essencial para despertar a consciência coletiva e estabelecer reciprocidade e equidade racial no país. Reparação pela escravização vai além da perspectiva econômica. Não dá para negligenciar a memória roubada.
Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)