Não matem nossos jovens, por Sueli Carneiro

Fonte: Jornal Correio Braziliense – Coluna Opinião

Há poucos meses divulgou-se estudo, realizado pela Uniemp (Fórum Permanente Universidade-Empresa), fundação ligada à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em parceria com a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo, que pela primeira vez estabeleceu relações entre aumento da criminalidade (em especial de roubos) e o desemprego.

A preocupação dos pesquisadores foi identificar que modalidade de crime é afetada pelo desemprego e que tipo de desemprego afeta a criminalidade. A pesquisa buscou desvelar a relação entre aumento de criminalidade e estagnação econômica, desemprego e queda de renda; o nível de violência dos delitos versus o desespero econômico de quem os pratica. E concluiu que, em algumas das modalidades de crimes estudadas, como no caso de ataques a carros, o percentual de correspondência com o desemprego atinge 85%.

Outros estudos apontam as ligações entre o desemprego de jovens e de pessoas de mais de 40 anos. Os mais jovens pela alegada falta de experiência, os maiores de 40 anos pela velhice precoce, forçada e arbitrária que é atribuída pelo mercado de trabalho aos que se encontram nessa faixa etária. Igualmente excluídos, jovens e maiores de 40 anos do mercado de trabalho constituem os principais segmentos sociais incrementadores da criminalidade.

Chegam-nos agora os resultados do estudo “Mapa da Violência 4”, realizado pela Unesco em 67 países, no qual o Brasil figura como o quinto onde jovens na faixa etária de 15 a 24 anos são mortos com mais freqüência, atrás apenas da Colômbia, Ilhas Virgens, El Salvador e Venezuela. Uma situação de calamidade pública em que parcela da juventude brasileira, em função da ausência de políticas de inclusão social abrangentes (adequadas a esse segmento) e capazes de sustentar perspectivas positivas de futuro, acha-se exposta ao infortúnio fundado na violência.

Quando é observado o corte racial nesse contexto, a problemática adquire dimensões de genocídio, posto que entre os jovens negros a matança é, segundo o estudo da Unesco, 74% superior à dos jovens brancos. Como bem definido em editorial do Correio Braziliense de 9/06/2004, assistimos ao martírio dos jovens brasileiros. Essa é a resposta que vem sendo dada pelo Estado à exclusão enfrentada pelos jovens: o abandono ao extermínio onde, não raro, o próprio Estado é o agente da eliminação. Elimina-se o futuro para preservar os descalabros do presente.

No início da década de 90, por iniciativa do Ceap (Centro de Articulação das Populações Marginalizadas) do Rio de Janeiro, o Movimento Negro Brasileiro desencadeou a campanha “Não matem nossas crianças”, que repercutiu internacionalmente, chamando as atenções do mundo para o extermínio de crianças e adolescentes negros no Brasil, fenômeno que teve na chacina da Candelária, onde 11 crianças negras foram assassinadas, um dos momentos emblemáticos de um processo corrente na sociedade brasileira contra as populações negras.

As crianças que, naquela época, escaparam ou pudemos salvar do extermínio por meio daquela campanha, são os jovens entregues hoje ao genocídio pela mesma ação ou omissão do Estado. Discriminação, fome, miséria, pobreza, desemprego, desigualdade no acesso à educação, o principal ativo de mobilidade social, e inserção positiva no mercado de trabalho e, por fim, a violência inscrita como forma de socialização nos espaços em que se encontra confinada a maioria da população negra compõem o círculo infernal em que os negros estão enredados pela lógica genocida que orienta o racismo no Brasil.

Diante da indiferença social e do poder público em relação a esse processo histórico, é hora de buscar a proteção dos organismos internacionais responsáveis pela observação dos direitos humanos no mundo, mediante denúncia qualificada sobre a dimensão racial da violação dos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais no Brasil. Há dados suficientes para sustentar a reivindicação de investigação internacional sobre os indícios de genocídio contra os negros, em especial os jovens, no Brasil.

Em 1948, a ONU aprovou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Segundo Flávia Piovesan (“Um Tribunal Permanente”), para essa convenção o genocídio é definido como a destruição, no todo ou em parte, de um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, isto é, no genocídio as pessoas são mortas não pelo que eventualmente cometeram, mas pelo que são, como grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos. A mesma convenção afirma ser o genocídio um crime contra o direito internacional, acrescentando que seu julgamento caberá aos tribunais do Estado em cujo território foi o ato cometido ou a uma corte penal internacional.

Quando em visita ao Brasil, Jean Ziegler, relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, declarou que há uma guerra social no país e que a fome no Brasil é genocídio. Disse, ainda, que Brasil e África do Sul são os campeões das desigualdades no mundo. Importantes formadores da opinião pública se manifestaram indignados diante de sua declaração. Consideravam que, se a atribuição de guerra civil ao país era inadequada, a imputação de genocídio era inaceitável.

Os dados apresentados pelo estudo da Unesco consubstanciam as impressões do relator da ONU, ampliando as perspectivas analíticas e compreensivas sobre a guerra civil e o genocídio no Brasil para além das fronteiras da fome.

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