Nós Mulheres Negras

Historicamente centenas de mulheres negras tem se despontado na política, nas organizações sociais, economia e trabalho.

Mas qual é o esforço feito por uma mulher negra para conseguir subir, como é dito popularmente, “os degraus da vida”? E quando chega ao topo, como se estabelecem as relações?

Em um artigo na página do Geledés: “Mulheres Negras e o Poder: Nós também podemos”, de Luana Soares, ao falar das desigualdades sócio econômicas existentes, destaco:

“É preciso compreendermos que estas desigualdades não caminham sozinhas, mas se intercalam gerando opressões específicas, que são vivenciadas por grupos sociais diferentes. Portanto, alguém estará na base da pirâmide social, e quem ocupa esta base são as mulheres negras”.

Em um outro artigo “Eu, mulher negra, não sou sujeito universal!”, escrito por LÍVIA SANT’ANNA VAZ, no Jota, encontrei a seguinte reflexão:

“Numa sociedade estruturada pelo racismo patriarcal, raça e gênero são dois dos principais marcos imediatos de identificação – mas também de subalternização social – de uma pessoa. A forma como as opressões do racismo e do sexismo se interseccionam para produzir vulnerabilidades específicas contra mulheres negras nos remete à frase de Grada Kilomba: “Uma mulher negra diz que ela é uma mulher negra. Uma mulher branca diz que ela é uma mulher. Um homem branco diz que é uma pessoa.”

“… Sob a roupagem da ética da alteridade, essa relação de dominação persiste na produção e no discurso jurídicos para definir unilateralmente “o lugar do outro no Direito”[2]. Na realidade, essa suposta prática da alteridade revela relações de poder, nas quais o “eu” – ser central e universal, cuja posição de privilégio é garantida – detém a autoridade para outrificar o diferente – ser periférico e desviante –, delimitando o seu lugar no Direito …” 

Ao longo de minha vida militante e profissional, vivencio relatos dos mais variados obstáculos sofridos por mulheres negras. Estes surgem nos mais variados espaços, mas principalmente quando o assunto é agendas universais modo de vida, igualdade, acesso e oportunidades, visibilidade e protagonismo.

Para a minoria branca “Um lugar inquestionável por direito”. Para eu Mulher Negra, sempre por grandes méritos “superacadêmico”, contestações. Tendo que provar o tempo todo a capacidade de produzir e conduzir.

– Ai que vontade de viver como os demais seres, dotados de direitos!”

A minha capacidade de pensar, elaborar e reconstruir estratégias políticas que se diferenciam das relações tradicionalmente constituídas e que carregam concepções eurocêntricas e alimentam as diferenças de classe e o racismo.

Poder estar em qualquer local por ser uma cidadã livre, sem que a minha presença não constitua reações das mais adversas: — quando a minha boca preta abrir para falar seja respeitada, minha postura política que carrega minha identidade e ancestralidade não mais incomode e o meu tempo passe de fato a ser respeitado.

“Se é apenas como sujeitos (de direito) que podemos falar, é chegada a hora de erguermos nossas vozes, para estabelecermos nossa própria identidade, definirmos nosso próprio lugar no Direito, narrarmos nossas próprias histórias. Não como outridades do universal, mas como partes de uma humanidade pluriversal que valoriza os saberes das nossas ancestrais e emerge da conjunção do ontem, do hoje e do porvir, reunindo (re)existência e esperança. (“Eu, mulher negra, não sou sujeito universal!” , de LÍVIA SANT’ANNA VAZ, no Jota)”

Surtos vindos de várias vozes brancas, fez-me refletir e buscar como lidar com este alvoroço imaginário, egocêntrico e eurocêntrico da subjugação e desvalorização do espaço que não somente Eu, mas nós, mulheres negras, devemos ocupar!

E diante deste vasto universo sem poder afirmar ser universal, dores se somam e relatos traduzem as, milhares de vozes negras oprimidas. Vozes silenciadas e estrategicamente caladas.

Um belíssimo artigo da nossa queridíssima Sueli Carneiro “ENEGRECER O FEMINISMO: A SITUAÇÃO DA MULHER NEGRA NA AMÉRICA LATINA A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO”, entre as linhas escritas, parte de sua conclusão:

“… A origem branca e ocidental do feminismo estabeleceu sua hegemonia na equação das diferenças de gênero e tem determinado que as mulheres não brancas e pobres, de todas as partes do mundo, lutem para integrar em seu ideário as especificidades raciais, étnicas, culturais, religiosas e de classe social. Até onde as mulheres brancas avançaram nessas questões? As alternativas de esquerda, de direita e de centro se constroem a partir desses paradigmas instituídos pelo feminismo que, segundo Lélia Gonzalez, apresentam dois tipos de dificuldades para as mulheres negras: por um lado, a inclinação eurocentrista do feminismo brasileiro constitui um eixo articulador a mais da democracia racial e do ideal de branqueamento, ao omitir o caráter central da questão da raça nas hierarquias de gênero e ao universalizar os valores de uma cultura particular (a ocidental) para o conjunto das mulheres, sem mediá-los na base da interação entre brancos e não brancos; por outro lado, revela um distanciamento da realidade vivida pela mulher negra ao negar “toda uma história feita de resistência e de lutas, em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral (que nada tem a ver com o eurocentrismo desse tipo de feminismo)” . Nesse contexto, quais seriam os novos conteúdos que as mulheres negras poderiam aportar à cena política para além do “toque de cor” nas propostas de gênero? …”.

Manifestam das mais variadas formas e o tempo todo, como gostariam que Eu fosse: uma mulher boazinha, queridíssima que apenas balançasse a cabeça. Em nome da boa convivência humanitária, aceitar obedientemente a ideia das relações contemporâneas de igualdade ou solidariedade a partir do que circulam e proporcionam milhares de curtidas em frases prontas e lives nas redes sociais.

Eu Mulher Negra tenho que falar do proposito direto das práticas do racismo quando utilizam elementos da inferioridade, pejorativos, da pobreza, desintelectualização e até mesmo de frases prontas para menosprezar, silenciar e despontencializar nós mulheres negras.

Manifestam o tempo todo como gostariam que Eu seja: uma mulher “boazinha”, queridíssima, concordando com tudo sem omitir opiniões. Em nome da boa convivência humanitária, aceitar obedientemente a ideia das relações contemporâneas de igualdade ou solidariedade a partir de valores morais e religiosos individuais. A partir de um conceito de ideologia em desconformidade com a ciência.

Enfim… Manteremos na luta por uma sociedade onde mulheres e homens brancos entendam e respeite as diferenças existentes. Que tenhamos condições de constituir uma sociedade sem apropriação intelectual, menosprezo pela nossa cor, narrativas políticas e social racista.

Chega de ter quer chutar portas para abrir! Chega de pedir licença para falar! Chega de olhares baixos e silêncio ao produzir e conduzir! Chega de invisibilidade!

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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