Nota da coalização negra por direitos sobre o Covid-19

Estamos às portas de uma grave crise, com o acelerado avanço do COVID-19, que vitimará grandes contingentes populacionais, desestruturará cadeias produtivas e mergulhará as economias num caos sem precedentes em todo o planeta.

Enviado para o  Portal Geledés 

(Foto: Reprodução Twitter)

O terror se estabelecerá com maior gravidade caso prevaleça a lógica da seletividade de quem vive e de quem morre a partir de critérios racistas, misóginos e LGBTfóbicos na atuação dos Estados Nacionais. O Coronavírus é uma oportunidade para as elites globais de implantação radical do genocídio. Abandonando as populações indesejáveis, aglomeradas em estruturas habitacionais degradadas nas periferias das grandes metrópoles, em benefício da classe média branca dos países do centro econômico e político.

No Brasil, as medidas até agora implementadas pelos governos não alcançam a maioria da população, sobretudo a população negra. Grupos sociais já vulneráveis devido às desigualdades raciais; sem água potável, alimentação, esgotamento sanitário, coleta de lixo adequada, em condições de trabalho precárias, serão os primeiros a morrerem.

Além do desemprego, o desamparo e a discriminação racial, esses grupos ocupam massivamente a base da pirâmide social brasileira, desde sempre, e são alvos de um genocídio que promove assassinatos ou abandona à morte. Estamos falando de uma população que também não tem acesso à saneamento básico, saúde, educação, moradia e emprego. O genocídio que afirmamos e denunciamos não se dá apenas através das mortes diretas, visivelmente presentes nos índices de homicídios que afetam desproporcionalmente negras e negros, expresso no dado estarrecedor de que a cada 23 minutos um jovem negro morre no Brasil. O genocídio se dá também na negação de condições e oportunidades, na negação de serviços públicos, como o de saúde, por exemplo, e que desgraçadamente agora, com o avanço do COVID-19, é percebido pelos que ignoram o problema. As propostas de contenção do avanço da pandemia apresentadas pelos governos são insuficientes.

Diante ao grave quadro da pandemia de Coronavirus para a população negra brasileira, exigimos que as autoridades e setores comprometidos com os direitos humanos, se manifestem e atuem para a superação das iniquidades raciais, tomando providencias urgentes e imediatas para cuidar e salvar a população negra, sobretudo, aquelas mais vulneráveis entre nós.

Nós da Coalização Negra por Direitos exigimos medidas que alcancem a população negra agora!

1. Adoção imediata de medidas de proteção da população negra e demais outras afetadas ou em vulnerabilidade ao Coronavirus (COVID 19)

Queremos a imediata revogação da Emenda Constitucional nº 95, com retomada do investimento no Sistema Único de Saúde e em pesquisas científicas acerca da infecção. E também acesso imediato ao saneamento básico para as áreas sem cobertura de esgotamento
sanitário, acesso a água potável e coleta de lixo regular.

Exigimos imediata política educacional que garanta os direitos de crianças, adolescentes e jovens, da Educação Básica ao Ensino Superior, que preserve o seu direito à educação, enquanto durar o isolamento, evitando a evasão escolar posteriormente e assegurando a não interrupção do acesso a auxílios e benefícios aos quais têm direito no ambiente escolar e no ambiente acadêmico (tais como merenda, bolsas alimentação e transporte em situação de emergência, entre outras). Estamos atentos às diversas tentativas de redução da qualidade da educação no Brasil, expressas em estratégias irrefletidas de substituição de sistemas regulares de ensino por regimes de educação à distância. É necessário levar em conta que grande parte da população não tem pleno acesso à internet, nem a equipamentos adequados que lhe garantam a inclusão nessas estratégias de maneira apressada.

Os setores públicos e privados devem congelar preços de alimentação e produtos de higiene e o governo deve assegurar a devida fiscalização para evitar aumentos abusivos que já estão se verificando no comércio.

O governo deve proibir cortes de energia elétrica, água e outros serviços nesse período, assim como assegurar a suspensão de racionamento de água ou promover o fornecimento complementar de água potável para comunidades/territórios que sofrem regularmente com esse tipo de limitação.

O poder judiciário deve suspender por tempo indeterminado o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou mesmo extrajudiciais, motivadas por reintegração.

2. Cuidados com pessoas infectadas

Solicitamos maior atenção e cuidado com as pessoas infectadas, a exemplo dos idosos, domésticas, cuidadoras e diaristas, ambulantes, população de rua e encarceradas e encarcerados.

Governos municipais, estaduais e federal devem garantir espaços seguros e adequados para tratamento e isolamento tanto para moradores de áreas com maior densidade populacional, quanto para pessoas que vivem no meio rural e em situação de rua, com o devido acompanhamento de profissionais de saúde.

O apoio com recursos e assistência aos familiares e as comunidades das vítimas do Coronavirus também deve ser uma prioridade. Favelas e bairros negros e pobres devem ser alvo de campanhas de distribuição gratuita de produtos básicos de limpeza e proteção, tais como sabão, álcool 70 em gel, desinfetantes, água sanitária, entre outros.

3. Medidas de Prevenção, Promoção e Atenção à Saúde

Todas as medidas de prevenção e promoção da saúde devem ser acionadas e intensificadas em favor de comunidades e territórios negros e pobres. Essas mesmas regiões devem receber gratuitamente produtos básicos de limpeza e proteção, tais como sabão, álcool 70 em gel, desinfetantes, água sanitária, dentre outros.

Os Quilombos, as Comunidades Tradicionais e os Povos Indígenas devem ser protegidos da infecção do Coronavirus, com medidas especiais, a exemplo de acesso a recursos para alimentação, acesso a água potável, produtos de higiene, serviços de saúde adequados e adaptados às suas realidades. É preciso assegurar a presença de profissionais de saúde, em especial médicas(os) e agentes comunitárias(os) de saúde nas comunidades rurais, quilombolas, indígenas e tradicionais.

Domésticas, cuidadoras e diaristas também precisam de ações preventivas de urgência. Além de material para a prevenção, é preciso liberá-las para o isolamento social e o cuidado à saúde prioritariamente, com a garantia de que não ficarão sem remuneração.

Para a população encarcerada, é preciso estabelecer medidas que incluam: distribuição de produtos de higiene pessoal; incremento na alimentação; atendimento médico regular. Essa população em situação prisional deve ter acesso a todas as informações e orientações acerca dos riscos de contágio e formas de prevenção ao Coronavírus. Estamos propondo, ainda, que se proceda à liberação de pessoas encarceradas que compõem os grupos de risco (como idosos e pessoas doentes), por meio de alternativas penais e processuais adequadas, a exemplo de tornozeleiras eletrônicas.

4. Assistência Social

Os governos municipais, estaduais e federal devem garantir renda mínima para as pessoas desempregadas, trabalhadores informais e pessoas com a infecção, enquanto durar essa crise. E integrar familiares com crianças e idosos com mais de 60 anos ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

Apoiar pequenos comércios e empreendimentos locais, bares, quitandas, lojinhas, barracas de vendas informais, profissionais autônomos e MEIs, com auxílios “a fundo perdido”, enquanto durar a crise.

Garantir o abastecimento de alimentação a população oferecendo suporte técnico e financeiro a produção da agricultura familiar, agroecológica, quilombola e tradicional.

Para a população de rua, é necessário assegurar: espaços para higienização (banheiros públicos abertos e gratuitos com torneiras e sabão para higienização do corpo e das mãos); entrega regular de água potável em garrafas descartáveis; manter restaurantes populares abertos com horário mais amplo e entrega do alimento em sacolas; e material informativo/educativo, de preferência ilustrado, com as informações para prevenção e locais de atendimento no caso de pessoas com sintomas de contaminação.

Esperamos que nossas demandas sejam encaradas com a devida importância, tendo em vista que a população negra constitui hoje cerca de 54% da população total do Brasil. Não será possível superar os perigos impostos pela pandemia do Coronavírus, se não forem tomadas medidas que levem em conta as desigualdades no acesso a direitos e serviços que marcam o cotidiano dessa população. É dever do Estado assegurar plenos direitos a todos e todas, e nós esperamos com essas proposições estar colaborando para que essa missão constitucional seja cumprida.

Parem o genocídio da população negra!

 

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