Secretaria Municipal de Saúde confirma mortes; polícia diz que agentes foram atacados
Por Artur Rodrigues e Laíssa Barros, da Folha de S.Paulo
Uma ação policial em um baile funk na madrugada de domingo (1º) terminou com nove pessoas mortas por pisoteamento e outras sete feridas, na favela de Paraisópolis (zona sul de SP).
O tumulto aconteceu em evento com mais de 5 mil pessoas. Imagens e relatos indicam que a multidão acabou encurralada pela polícia em vielas estreitas—alguns tropeçaram e acabaram mortos. Jovens afirmaram que a ação foi uma “emboscada”.
A Polícia Militar afirma que ainda não é possível saber se a ação ocorreu de maneira correta, que algumas imagens divulgadas sugerem abusos e que tudo será investigado.
A corporação sustenta, porém, que a confusão começou após uma perseguição a suspeitos em uma moto, com quem trocaram tiros.
Segundo a polícia, a fuga se deu por 400 metros e depois os suspeitos entraram no meio do baile ainda disparando. “Criminosos utilizaram pessoas no pancadão como escudos humanos”, disse o tenente-coronel Emerson Massera, da PM.
Os policiais dizem que foram recebidos com pedras e garrafas arremessadas. De acordo com Massera, “houve necessidade do uso de munição química”, com quatro granadas de efeito moral e oito tiros de balas de borracha.
Jovens feridos e familiares de vítimas rebatem. Segundo eles, não houve perseguição alguma a suspeitos.
Conhecido como baile da 17, o evento aconteceu na rua Ernest Renan. Segundo moradores da favela, polícia fechou ambos os lados da rua.
Dono de um bar no fluxo do baile funk, Anderson Figueiredo, 34, diz que os policiais chegaram atirando bombas de gás e balas de borracha.
Segundo ele, ambos os lados da rua foram cercados pelos agentes, que atiravam e batiam em quem se aproximasse. A multidão então só conseguiria dispersar por suas vielas de menos 2 metros de largura, cheias de escadas, o fez com que muitos tropeçassem.
Um vídeo mostra uma multidão cercada e agredida em uma das vielas. “Eu coloquei várias pessoas para dentro do meu bar, mas não cabia mais gente uma hora”, diz Figueiredo.
Massera diz que a perseguição está comprovada, uma vez que policiais avisaram rapidamente sobre a abordagem. A polícia afirma ter encontrado cartuchos que seriam dos criminosos. Os suspeitos e a moto, porém, não foram localizados.
O oficial afirmou também que serão investigados os vídeos, com imagens que sugerem abusos e ação desproporcional.
Uma adolescente de 17 anos que pediu para não ser identificada conta que ficou presa em uma viela após muita correria e recebeu golpes de cassetete de policiais militares em várias partes do corpo.
“Eles [PMs] foram realmente na maldade para ninguém conseguir correr. Eu ouvi tiros e vi muita gente pisoteada. Inclusive vi um policial dando uma garrafada em uma pessoa no meio da confusão. Eles fecharam as saídas das ruas e saíram espancando. Foi uma covardia.”
Rafael dos Santos, 29, vendia cachorro quente na festa quando foi atingido por uma bala de borracha. “Meu carrinho chegou a cair no chão e as pessoas me ajudaram”, disse. “Esse baile ajuda muita gente aqui, movimenta o comércio e paga os aluguéis”.
Moradores afirmam que foram jogadas bombas até dentro das casas. Grávida de 18 semanas, J.L., 29, mora em frente ao baile e acordou com a fumaça das bombas dentro de casa. “Meu corredor ficou todo branco. Eu e meus filhos passamos muito mal por isso”, disse.
Nas redes sociais, o governador João Doria (PSDB) afirmou lamentar profundamente as mortes e que determinou ao secretário da Segurança Pública, general Campos, apuração “para esclarecer quais foram as circunstâncias e responsabilidades deste triste episódio”. Três anos atrás, Doria definiu os pancadões como “um cancro que destrói a sociedade”.
Recentemente, uma adolescente de 16 anos ficou cega do olho esquerdo após ser atingida por uma bala de borracha durante a dispersão de um baile funk, em Guaianases (zona leste da capital paulista).
Há um ano, três pessoas morreram pisoteadas em um baile funk no bairro dos Pimentas em Guarulhos. O caso tem semelhanças com as nove mortes registradas neste domingo.
No caso de Paraisópolis, moradores relatam que a PM passou a agir de maneira truculenta após o sargento Ronaldo Ruas Silva, de 52 anos, da Força Tática, ser baleado e morrer durante uma ocorrência na comunidade.
Os moradores de Paraisópolis fizeram um protesto com faixas e cartazes na noite de domingo. No asfalto, “a favela chora”.