O horror na PM paulista não são casos isolados

A crescente barbárie policial possui nome Tarcísio e sobrenome Derrite

É preciso ir além do horror estomacal que qualquer ser humano privado de sociopatia sente ao ver policiais jogando um homem de uma ponte ou atirando nas costas de outro a sangue frio. Os responsáveis pelo descontrole do uso da força policial revelado com brutalidade pelos dois casos na zona sul de São Paulo, em apenas 24 horas, possuem nome e sobrenome; são eles, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e Guilherme Derrite, secretário de segurança pública. O mínimo decente a se fazer seria demitir Derrite e afastar o comando da PM paulista; resta saber se Tarcísio prefere – seja por extremismo ideológico, seja por conivência – que a marca de sua gestão em segurança pública permaneça a da incompetência brutal.

Logo após o caso do homem atirado da ponte, o tedioso roteiro de desculpas insinceras foi posto em marcha, mostrando que o treinamento de mídia do comando do governo estadual e da polícia está armado e apontado para justificar o absurdo. Foi “um erro emocional”, afirmou o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, o coronel Cássio Araújo de Freitas, como se o policial tivesse tropeçado ao jogar de maneira fria e calculista o homem da ponte. Apenas por essa fala, o coronel deveria perder o cargo, se sobrasse alguma decência ao governador. Foi uma “ação isolada”, afirmou o secretário Derrite; os dois casos devem ser “investigados e rigorosamente punidos”, complementou o governador Tarcísio. Qualquer pessoa letrada no histórico recente da polícia militar sabe que ambas as falas são, por falta de eufemismo, mentira.

Sob Tarcísio-Derrite, um delator do PCC foi executado em plena luz do dia no maior aeroporto do país enquanto, horas depois, o secretário festejava com policiais na praia de Maresias; Ryan da Silva Andrade Santos, um menino de 4 anos, foi executado em Santos enquanto brincava na rua e policiais tumultuaram seu velório; as operações Escudo e Verão mataram mais de 90 na Baixada Santista; o ouvidor das polícias vive sob ameaça de morte; e as mortes por agentes das forças de segurança paulistas cresceram 78% se comparados os oito primeiros meses deste ano com o ano passado (2 a cada 3 vítimas são negras). Casos de abusos policiais são resultado da política de Tarcísio-Derrite que são capazes de rifar a própria instituição policial, envergonhando a parcela bem treinada de seus agentes, para o seu ganho político duvidoso a curto prazo.

Não dá para chamar a crescente barbárie policial de ação isolada perpetuada por maçãs podres da corporação ao mesmo tempo em que, desde o primeiro dia no governo, a única política de segurança pública implementada por Tarcísio-Derrite consiste em plantar árvores já podres que geram como fruto a impunidade desenfreada de PMs por mortes no estado. Não dá para acreditar que Derrite ou Tarcísio defendam qualquer investigação e punição de policiais quando, na prática, criam obstáculos para o uso de câmeras policiais na corporação. O mínimo decente a se fazer seria exigir a ampliação do uso do equipamento, o fortalecimento da ouvidoria de polícia, e a independência das investigações pela corregedoria da polícia e Ministério Público.

Quem empurrou o homem da ponte foi o cheque em branco emitido pela dupla Tarcísio-Derrite para quem a única política de segurança pública que sabem vender é policial executando civis.


Thiago Amparo – Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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