O nadador haitiano que, sem piscina olímpica, treinou para Rio 2016 com vídeos de Phelps

Em meio à profusão de atletas, dirigentes, convidados e jornalistas passeando pela Zona Internacional da Vila dos Atletas da Rio 2016, Frantz Dorsainvil apenas observa o vaivém. Busca identificar algum integrante da equipe americana de natação, na tentativa de enviar um recado para o lendário Michael Phelps, o maior medalhista olímpico de todos os tempos.

Por Fernando Duarte, do BBC 

Parece pura tietagem, só que é mais uma questão gratidão: foi com a ajuda involuntária do múltiplo campeão que Dorsainvil, 25 anos, chegou à sua primeira Olimpíada. E Phelps, de certa fora, ensinou o haitiano a nadar.

“Assisti a todos os vídeos de Michael em que consegui pôr as mãos para tentar entender a mecânica de suas braçadas e pernadas. Ele foi uma imensa inspiração para mim”, conta à BBC Brasil o único nadador do Haiti a participar da Olimpíada brasileira – e apenas o segundo na história haitiana na competição.

Se a história olímpica da ilha caribenha é para lá de discreta – o país tem apenas uma medalha de prata no salto em distância e uma de bronze no tiro, nenhuma delas conquistadas depois dos Jogos de Amsterdã, em 1928 –, a natação é quase invisível.

Segundo estimativas de autoridades do país, apenas 1% dos 11 milhões de haitianos sabem nadar. Os poucos que tentam desafiar as duras condições socioeconômicas haitianas e praticar o esporte esbarram em uma falta de infraestrutura que não poderia ser melhor simbolizada do que pela ausência de uma piscina olímpica (50m) na ilha.

“A única que tínhamos foi destruída pelo terremoto de 2010 e até hoje não foi reconstruída. Treino no mar ou em uma piscina de 18m. Não é nem de longe o ideal, mas é o que tenho e isso me ajudou a chegar à Olimpíada”, afirma Dorsainvil, que não tem apoio logístico sequer de um treinador.

O fato de ele ter sido convidado pelo Comitê Olímpico Internacional para participar, como parte de uma iniciativa para o desenvolvimento esportivo em países mais pobres, não tira o brilho da trajetória do haitiano. Afinal, ele começou a nadar competitivamente apenas há seis anos, o que explica o fato de ele não ter resultados tão expressivos. Dorsainvil “se complica” ainda mais por escolher os 50m livres, a prova mais rápida da natação.

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Como não há piscinas olímpicas no Haiti, atleta de 25 anos treina em espaços menores e improvisados

No Mundial de 2015, em Kazan, na Rússia, ele sequer passou das eliminatórias ficou apenas em 112º lugar entre os 113 nadadores participantes. Seu tempo (31s93) foi mais de 10 segundos mais lento que o do campeão, o francês Florent Manadou.

Sua trajetória remete à incrível história de Eric Moussambani, o nadador da Guiné Equatorial que se transformou em uma das sensações da Olimpíada de Sydney, em 2000, ao completar a duras penas a prova dos 100m. Dorsainvil, no entanto, leva o que faz a sério.

“Eu não vou conquistar uma medalha aqui e tudo o que quero fazer é nadar mais rápido do que na última competição. Mas meu papel no Rio é o de tentar abrir caminho para que mais haitianos queiram aprender a nadar e, por que não, competir. Quem sabe as autoridades do meu país assim resolvam construir uma nova piscina olímpica? Minha medalha aqui seria essa piscina”, diz o nadador, que espera ao menos trocar umas palavras com Phelps à beira da piscina durante os treinos, já que o americano não nada os 50m livre.

As eliminatórias serão disputadas na próxima quinta-feira, a partir das 10h.

Dez atletas no Rio

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Dorsainvil treina também no mar para compensar falta de piscina

Enxuta, a delegação do Haiti na Rio 2016 tem apenas dez atletas, participando de seis modalidades (atletismo, boxe, judô, natação, tae-kwon-do e luta olímpica). É o dobro de atletas que a ilha enviou aos Jogos de Londres-2012.

Entre as três mulheres está Naomy Hope, que ao cair na piscina do Parque Olímpico da Barra fará história como a primeira mulher haitiana a participar de uma Olimpíada. Ao contrário de Dorsainvil, porém, ela nasceu nos Estados Unidos, filha de imigrantes haitianos, e conta com uma bolsa da Universidade de Chicago. Deverá ter familiares acenando da arquibancada do Centro Aquático.

Dorsainivil há algum tempo desistiu do sonho de cursar Medicina, por causa do alto preço das mensalidades, e tenta custear a carreira esportiva como fotógrafo para catálogos de moda. A família ele verá apenas pela câmera do celular. E em sua imaginação quando saltar na água.

“Eu gostaria que meus pais viessem ao Rio, mas os preços das passagens aéreas aumentaram muito por causa da Olimpíada. Mas eu já me acostumei a fazer as coisas sozinho. Em vez de reclamar, vou aproveitar essa oportunidade de participar dessa festa e de conhecer um pouco da cidade”, pondera o nadador.

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