Os imigrantes nas crônicas de Lima Barreto: tensões e contribuições na cidade do Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX

Por: Celi Silva Gomes de Freitas*

A imigração representa um dos temas de interesse para a pesquisa histórica que se debruça sobre os processos de transformação da sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Os imigrantes assumiram papéis diversos, fizeram história e se tornaram personagens de histórias relatadas em inúmeros artigos e crônicas, dos quais selecionamos alguns, escritos por Lima Barreto (1881-1922), para se constituírem em corpus documental de estudo da imigração na vida social brasileira, especialmente na carioca.

Lima Barreto e seus interlocutores, como Antônio Noronha Santos, viveram quase todo o tempo na cidade do Rio de Janeiro, dela afastando-se muito pouco e, por conseguinte, mantendo com ela uma relação de profunda intimidade: “Aqui vivíamos enjaulados num sempiterno quadrilátero: avenida, Ouvidor, Uruguaiana, São José, de dia. Ao cair da tarde, o Largo de São Francisco, as petisqueiras. À noite, a Lapa.” (SANTOS, 1961: 9). Estão postos na citação os limites do Centro Histórico, região por onde a boemia intelectual circulava, e locus do “botaabaixo”.

Assim, a “era das demolições” representou a busca de superação efetiva das marcas da cidade colonial escravocrata, e o início de sua transformação em espaço adequado às exigências da modernidade.

Na posição de “intelectual-negro” (FREITAS,2003:95-123), o “carioca da gema” Afonso Henriques de Lima Barreto enxergou a superposição de novas e velhas contradições da nova ordem republicana. A defesa da preservação da história da cidade sobrepôs-se ao debate acerca da complexidade das relações entre o antigo e o moderno, o feio e o bonito. “O Rio civiliza-se” (BARRETO, 1915/1956: 83), escreveu para recolocar em cena os africanos, imigrantes pioneiros trazidos compulsoriamente para se tornarem escravos, e seus descendentes:

A obsessão de Buenos Aires sempre nos perturbou o julgamento das coisas.
A grande cidade do Prata tem um milhão de habitantes; a capital argentina tem longas ruas retas; a capital argentina não tem pretos; portanto, meus senhores, o Rio de Janeiro, cortado de montanhas, deve ter largas ruas retas; o Rio de Janeiro, num país de três ou quatro grandes cidades, precisa ter um milhão; o Rio de Janeiro, capital de um país que recebeu durante quase três séculos milhões de pretos, não deve ter pretos. (BARRETO,1915/1956: 82-83).

Observamos que Barreto buscou alargar o campo de análise, interligando uma questão fundamental de identidade nacional à da submissão a modelos da ordem internacional. A memória da escravidão africana, e ainda mais, a da longa duração do tráfico negreiro, foi trazida de forma contundente e colocada lado a lado com as marcas do novo e desejável espaço urbano em construção.


* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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