País berço de Martin Luther King Jr. precisa respeitar seu histórico de luta

Trump assume nação com ideias de perseguição a minorias raciais e de gênero

Foi com surpresa que vi, na segunda-feira (20), Donald Trump, durante sua posse como 47º presidente dos Estados Unidos, evocar a figura do reverendo negro Martin Luther King Jr., para dizer, literalmente, que ele também “tinha um sonho”.

A menção pode muito bem beirar a uma piada de mau gosto. E beira, na verdade. King morreu assassinado por lutar pelo sonho americano, visando uma sociedade mais justa e igualitária –e uma América poderosa para todes.

Em 1964, por conta disso, ganhou o Prêmio Nobel da Paz, sendo reconhecido pelo seu pacifismo e a busca de conciliação social e racial para todos, sobretudo os afro-americanos.

O simbolismo na posse do magnata é a desfaçatez com que fala do sonho de King ao mesmo tempo em que caça direitos conquistados com sangue e suor pelos negros estadunidenses. É como se tivesse apagado da memória nacional o sufocamento e morte de George Floyd, ou o passado de perseguição e linchamentos públicos, de pessoas inocentes, sob a insígnia da Ku Klux Klan, braço legítimo da supremacia branca, que agora, pelo visto, descaracterizada, volta ao poder, com sangue nos olhos –e muita sede de vingança e ódio.

“Para as comunidades negras e hispânicas, quero agradecer pelo amor e pela confiança que vocês me demonstraram. Eu não vou esquecer. Estou ansioso para trabalhar com vocês nos próximos anos. Hoje é o Dia de Martin Luther King, e, em sua honra, trabalharemos para transformar seu sonho em realidade. Vamos tornar o sonho dele realidade”, discursou Donald Trump, fingindo acreditar no que dizia.

Os negros representam 13,4% da população dos Estados Unidos, contra 61,6% de brancos, segundo dados de há cinco anos. Mas pelo total de seus eleitores, a candidata derrotada Kamala Harris obteve cerca de 80% dos votos válidos dos afro-americanos, contradizendo a fala do propalado apoio ao novo dirigente do país por essa faixa da população.

É preciso ter todo foco na política trumpista a respeito de negros e latinos. Os EUA têm histórico de impedir, desde King, paladino dos direitos civis, o fortalecimento do movimento negro. Não podemos esquecer que, um pouquinho antes do dia das eleições, alunos negros do Lycée Français, unidade escolar sediada em Nova York, receberam mensagem de texto via aplicativo, informando que eles haviam sido “selecionados para colher algodão” numa plantação, em alusão direta à volta da escravidão, abolida em 1865, através da 13ª Emenda. O fato causou pânico entre alunos, obrigando a escola, através de uma nota aos pais, a prestar solidariedade e apoio psicológico aos mais afetados emocionalmente.

Alguém precisa explicar a Donald Trump que a eleição acabou e que ele foi eleito apenas para governar os Estados Unidos, não o mundo. A sua megalomania compromete respeito e direitos constituídos, mesmo no país que agora preside.

No seu ainda atual livro “A Era da Incerteza”, o pensador John Kenneth Galbraith, profetizou algo que se aplica a Trump, quando diz: “as ideias envelhecem, mas nunca morrem”.

O tempo não mudou para o Trump. Suas ideias de perseguição se mantêm vivas e ameaçadoras, ameaçando os EUA e o mundo.


Tom Farias – Jornalista e escritor, é autor de “Carolina, uma Biografia” e do romance “Toda Fúria”

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