Passar pano para o genocídio negro: não em meu nome

Enviado por / FontePor Bianca Santana, de ECOA

“Grávida morre após ser baleada durante troca de tiros em comunidade no RJ”. A manchete do UOL foi a gota que faltava para eu encerrar minha contribuição com a publicação Ecoa UOL. Há semanas não tenho conseguido manter ritmo de escrita semanal, já havia anunciado para minha editora a possibilidade de interromper a coluna, mas avaliamos que dava para esperar um pouco antes de decidir. Com a cobertura perversa da execução de uma mulher negra grávida em uma favela do Rio de Janeiro, mais um alvo do genocídio negro, fica evidente que a exaustão de repetir semanalmente a mesma coisa, em palavras diferentes, na tentativa de contribuir com o debate público sobre o genocídio tem sido pouco efetiva. Nem o próprio veículo se constrange em noticiar uma mentira como mais um fato isolado.

Há um mês, logo depois da chacina de Jacarezinho, a home noticiava: “Ação da polícia deixa 25 mortos no RJ; usuários do metrô são feridos: operação mira suspeitos que estariam expulsando moradores de casa na comunidade de Jacarezinho”. Indignada, escrevi a outro editor perguntando se estavam mesmo justificando os 25 assassinatos praticados pela polícia. Sempre bom lembrar que o Brasil não tem pena de morte. E que suspeitos devem ser investigados e julgados antes da possibilidade de condenação (que não inclui a morte). Não há nada, nada, que justifique a ação ilegal de um funcionário do Estado brasileiro de assassinar qualquer pessoa. A linha fina foi revista. Ao menos isso. Mas ficou também evidente que as horas gastas para conversar com toda a redação do UOL, em dois horários diferentes, sobre como é essencial contextualizar execuções de pessoas negras e não noticiá-las como fato isolado — cumprindo o papel de relações públicas da polícia — haviam sido improdutivas. Não se trata de desconhecimento. Mas de escolha. Cumplicidade. Coautoria.

É evidente que mantenho relações com uma série de outras instituições racistas, que contribuem com o genocídio negro. Infelizmente. Mas esta relação, tenho condições, e obrigação, de romper. Hoje sinto vergonha por ser jornalista.

Leia também:

Grávida morre após ser baleada durante troca de tiros em comunidade no RJ

Kathlen e seu bebê, mais duas vidas negras interrompidas no Brasil

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...