PCC não derrubou homicídios sozinho em SP, dizem pesquisadores

Explicar a queda dos homicídios no Estado de São Paulo apenas pela “hipótese PCC” – controle da violência pelo crime organizado – é simplificar as engrenagens sociais de um fenômeno de causas múltiplas, afirmam pesquisadores.

Por Thiago Guimarães, do BBC

Por essa perspectiva, fatores como envelhecimento da população, melhoras na política de segurança pública e ações de desarmamento devem ser considerados na equação da violência letal do Estado.

Na semana passada, a BBC Brasil publicou entrevista com o professor canadense Graham Willis, da Universidade de Cambridge (Inglaterra).

O pesquisador acompanhou por três anos a rotina de policiais que apuram homicídios em São Paulo e visitou uma comunidade controlada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) na capital paulista. Concluiu que a facção “regula a morte e a vida” no Estado, e é a principal responsável pela queda de 73% na taxa de homicídios desde 2001.

Nesse cenário de controle social paralelo, afirma ele, a facção que atua dentro e fora dos presídios evita chamar atenção para comunidades sob controle, maximiza lucros com o tráfico de drogas e reforça a eficácia dos chamados “tribunais do crime”.

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Entrega de veículos da PM paulista em dezembro de 2015; pesquisadores questionam hipótese que minimiza papel da polícia na queda dos homicídios em São Paulo.

Ao revisitar, com novos dados, uma hipótese que já circulava no meio acadêmico, o professor de Cambridge movimentou o debate sobre segurança pública em fóruns especializados e nas redes sociais.

A BBC Brasil consultou especialistas envolvidos na discussão e que trazem pontos de vista diferentes sobre um dos eventos de maior interesse no cenário da segurança pública no Brasil: como São Paulo, afinal, conseguiu reverter o crescimento alarmante nos homicídios?

Menos jovens

“A redução ocorreu de maneira gradual, abrangente e em vários municípios. Apenas a regulação da violência (pelo crime organizado) não teria esse impacto homogêneo”, diz Rodrigo Vilardi, doutor em direito penal pela USP e oficial da Polícia Militar de São Paulo.

Vilardi diz acreditar que uma parcela da redução dos assassinatos possa, sim, ser atribuída ao PCC, mas discorda da ênfase dada por Willis a esse fator. Afirma que a mudança na estrutura etária da população é uma explicação mais consistente.

Ele cita um estudo, feito por João Manoel Pinho de Mello e Alexandre Schneider, que mostrou como os homicídios caminharam na mesma direção da proporção, no Estado, de jovens de 15 a 24 anos – grupo etário comprovadamente mais propenso a cometer crimes.

Entre 1991 e 2000, quando os homicídios avançaram 63% no Estado, a Grande São Paulo ganhou 216 mil jovens nessa faixa etária – acréscimo de 15,3%, ante 11,6% para a população total. De 2000 a 2005, quando as taxas caem bastante (de mais de 30 para 17,5 por 100 mil habitantes), há 60 mil jovens dessa faixa etária a menos, enquanto a população cresce 6,6%.

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Estudos apontam comportamento semelhante na trajetória dos homicídios e da população de 15 a 24 anos, estatisticamente mais propensa a cometer homicídios.

A pesquisa em questão apontou ainda, considerando variações entre cidades, para uma forte relação causal entre demografia e homicídios: aumento de 1% na proporção de jovens de 15 a 24 anos motivaria acréscimo de 3,2% nos assassinatos.

Outra pesquisa de Pinho de Mello analisou o movimento entre população jovem e homicídios de 1992 a 2006 e encontrou padrões semelhantes na comparação entre oito Estados (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Ceará e Goiás).

Melhor polícia

Para Vilardi, que estudou no doutorado as experiências de São Paulo e Nova York em prevenção criminal, melhoras na política de segurança pública também contribuíram de forma positiva na dinâmica dos homicídios. Em geral, três aspectos são citados:

  • implementação, em 1999, do Infocrim, sistema de microrrastreamento geográfico de crimes (sistema passa a ser usado fora da região metropolitana após 2005), e de base de dados fotográfica de criminosos (Fotocrim), em 2002;
  • esforço de desarmamento antes e depois da Lei do Desarmamento, de 2003; em 1991, 60% dos homicídios na cidade de São Paulo foram classificados como praticados com “arma não especificada”, e percentual cai para 29% em 2000;
  • acompanhamento técnico e cobrança de resultados sobre queda de mortes violentas.

Sobre esse último ponto, o capitão da PM diz que, desde 2000, com a ajuda de dados do Infocrim, o Estado passou a exigir resultados das corporações policiais de forma mais sistemática.

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Efetivo da PM paulista fica em torno de 90 mil policiais, ou 1 PM por 491 habitantes, índice pouco acima da média nacional em 2015 (1 por 471)

“As estatísticas deixaram de servir apenas para publicação e ficaram disponíveis aos policiais. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Segurança passou a cobrar oficiais da PM, delegados e chefes sobre os indicadores em suas áreas”, afirma.

Outras análises mencionam intervenções como a criação, em 2000, do Disque-Denúncia, linha telefônica anônima para denunciar crimes, a adoção de Lei Seca em bares da Grande São Paulo (2001-2004) e a Operação Saturação, centralizada e permanente em áreas de tráfico de drogas (2006).

Uma ressalva recorrente, no entanto, citada por João Manoel Pinho de Mello e Alexandre Schneider, é que a maioria das ações ocorreu depois que a tendência de alta dos homicídios já havia se revertido, em 1999. Por isso, dizem, as medidas de governo não poderiam explicar, isoladamente ou em conjunto, a dinâmica da violência letal em São Paulo.

Dinâmicas diferentes

Pesquisa inédita do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP confirmou a tendência do crime organizado como “mediador” da violência em São Paulo, mas sugere que esse não seja o principal fator a explicar a queda nos assassinatos.

O estudo na cidade de São Paulo confrontou dados de homicídios georreferenciados e um indicador da maior ou menor chance de presença de organizações criminosas em determinada região (construído com informações como pessoas presas por tráfico, pessoas procuradas e identificação de centrais telefônicas clandestinas).

“A ideia do PCC como regulador (da violência letal) parece se confirmar pelos dados, porque nos lugares onde há indícios de organizações criminosas a tendência é de certa homogeneidade das taxas no tempo. São taxas recorrentemente baixas, mas há também, em menor número, lugares com taxas frequentemente altas”, diz Marcelo Batista Nery, pesquisador do NEV-USP.

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Região do Campo Limpo, em São Paulo, que tradicionalmente apresenta altos índices de homicídio; para pesquisador, o que explica a violência letal em determinado ponto “não é necessariamente o mesmo em outro lugar”.

Batista Nery diz, portanto, que há indícios que a baixa nos homicídios seja obra do PCC, mas não em toda a capital paulista (que responde por 25% dos homicídios do Estado), porque não há crime organizado em toda a cidade.

É preciso ainda, afirma o pesquisador, considerar diferentes momentos da trajetória da redução da violência. No primeiro momento da queda, de 1999 a 2003, não havia, afirma ele, indícios da presença forte do crime organizado no cotidiano das comunidades. Os indicativos eram de uma redução do ciclo de vingança entre gangues, com a polícia prendendo e matando mais.

“Se efetivamente o número de encarcerados e a violência policial fortaleceram as organizações criminosas, entre elas o PCC, e foram condicionantes importantes na redução dos homicídios, isso também foi responsável pelo fortalecimento das organizações criminosas, que teve impacto (na queda dos assassinatos) em um segundo momento (depois de 2003)”, afirma.

Missão impossível?

Batista Nery diz desconfiar de estudos que propõem uma explicação única a um fenômeno peculiar como a violência homicida. “Sou crítico a generalizações, seja em estudos etnográficos (pesquisas em campo) ou quantitativos. O Estado de São Paulo, por exemplo, é tão diverso, e se você olhar cada município a análise leva a conclusões diferentes.”

Ele diz, contudo, que o trabalho dos pesquisadores seria mais fácil se a Secretaria de Segurança Pública (SSP) disponibilizasse mais dados sobre os crimes, e não apenas a ocorrência, data e natureza do delito, como ocorre hoje.

“Para qualquer estudo criminológico seria fundamental ter acesso a características das vítimas, autores, ação policial, análise de casos solucionados. Permitiria possibilidades de análise bem maiores”, afirma.

O governo de São Paulo diz que há proteção legal a dados pessoais de vítimas e testemunhas em boletins de ocorrência.

O tema motivou debate nesta semana após o governo de Geraldo Alckmin (PSDB-SP) decretar sigilo de 50 anos sobre dados de boletins de ocorrência.

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“A determinação do governador Geraldo Alckmin foi para ampliação das informações, para que somente, na forma excepcional, constasse aquilo que deve ter prazo para ser informado”, disse o secretário de Segurança de SP, Alexandre de Moraes.

A SSP disse que, na verdade, a resolução reduziu as hipóteses de sigilo em 70%, e apenas uniformizou a política estadual de transparência de dados.

“A intenção da resolução foi ampliar a transparência de todos os dados, para que seja divulgado o que a lei autoriza. O que nós não podemos fazer é divulgar dados que a lei não autoriza, colocando às vezes em risco testemunhas e vítimas”, disse o secretário da Segurança, Alexandre de Moraes.

Para o pesquisador do NEV-USP, talvez nunca haja uma explicação final sobre o fenômeno da queda dos homicídios em São Paulo.

“O pior é que talvez nunca consigamos ter esse resultado. Isso porque o Infocrim, a fonte de dados georreferenciados, começou a funcionar em 2000, no momento em que os dados já apresentavam queda. Efetivamente não temos informações para comparação com o momento em que as taxas estavam subindo.”

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