Pobreza e violência tiram 6 anos de vida dos negros no Brasil

Zonas de conflito e falta de saneamento encurtam a vida de pretos e pardos, aponta levantamento inédito

Mulheres e homens negros vivem entre quatro e quase seis anos a menos, respectivamente, do que pessoas brancas no Brasil.

Na raiz da diferença está, basicamente, a pobreza. Ela submete os mais pobres a doenças relacionadas à má alimentação, falta de saneamento e, sobretudo, à violência em favelas e agrupamentos urbanos precários.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não produz esse tipo de dado, mas trabalho inédito do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social) e do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG utilizou informações do Censo e de registros de óbitos do Ministério da Saúde para calcular a diferença na expectativa de vida.

Na pesquisa, pretos e pardos foram agrupados em “negros”, que perfazem, segundo o Censo 2022, 55,5% dos brasileiros. Foram consideradas as expectativas ao nascer em duas décadas: 2000-2009 e 2010-2019. A má qualidade dos dados de óbitos anteriores a 2000 impossibilitou estimativas para a década de 1990.

O diferencial na expectativa de vida em relação às pessoas brancas é maior entre os homens negros, e chegou a 5,9 anos a menos na década 2010-2019. A principal contribuição para esta diferença é atribuída a “causas externas”, que corresponderam a mais de 46% do diferencial.

Entre os motivos, prepondera a violência; e o trabalho mostra que a mortalidade precoce entre negros ocorre especialmente entre os 15 e 34 anos, ou seja, na juventude e início da idade adulta.

Os dados mostram que houve um avanço na mortalidade precoce de homens negros da década de 2000-2009 à de 2010-2019 —o que sugere aumento da violência contra essa faixa da população entre os dois períodos.

No caso das mulheres, considerando o período 2010-2019, em que foi constatado que as negras vivem quatro anos a menos que as brancas, a principal contribuição para a diferença foram as chamadas “demais causas” (39,6% do diferencial). Dentre elas, destacam-se doenças relacionadas ao aparelho circulatório.

“Identificamos que a diferença ao nascer entre negros e brancos é explicada basicamente por dois fatores. O primeiro é mortalidade infantil de 0 a 4 anos, em que o número de óbitos de negros é muito maior. Isso decorre da pobreza, não da cor. É gente que está com o esgoto a céu aberto. É criança subnutrida. Como há maior incidência de pobreza entre negros, a mortalidade não é igual”, afirma Paulo Tafner, diretor-presidente do IMDS.

“Outro fator importantíssimo é a violência, muito mais incidente no grupo masculino de 15 a 39 anos. Antes e depois dessa faixa, ela não responde tanto pela diferença na expectativa de vida.”

Tafner destaca que há proporcionalmente muito mais pretos e pardos pobres em áreas precárias do país. Nelas, a falta de recursos compromete a alimentação; a carência de saneamento básico, a saúde e; zonas violentas ocupadas por traficantes, a vida dos mais jovens.

Para Bianca Lobato, especialista em políticas públicas do Insper e coordenadora desta área no Instituto Pacto Contra a Fome, “a subnutrição na infância leva a um desenvolvimento menor, tornando essas pessoas mais suscetíveis a doenças ao longo da vida.”

Lobato diz que dados mais recentes da ONU e do IBGE mostram melhora na renda dos mais pobres, que poderia ser atribuída ao aumento do Bolsa Família e recuperação do mercado de trabalho. “Não é a melhora na dimensão de que gostaríamos, mas há avanços desde o fim da pandemia.”

Wania Sant’Anna, historiadora e conselheira do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdade Raciais (Cedra), afirma que, no caso de mortes relacionadas à saúde, a população negra no Brasil é “SUS dependente” e que, por isso, tem menos acesso a tratamento de qualidade.

“Qualquer subfinanciamento do SUS tem impacto de vida ou morte sobre essa população”, afirma. Dados do Cedra mostram que o atendimento no SUS a pessoas negras foi 43% maior em 2019 em comparação às brancas. A proporção de negros que não realizaram exames de pressão arterial, de vista e ido ao dentista também era maior.

“Não se pode naturalizar que a expectativa de vida tenha a ver com aspectos étnico-raciais, sobretudo em se tratando de causas evitáveis, como violência, má nutrição e atendimento médico”, diz Sant’Anna.

Segundo o último Censo do IBGE, o Brasil tinha, em 2022, 16,4 milhões de seus habitantes (8% da população) morando em 12.348 favelas e comunidades urbanas em 656 municípios.

Em relação à violência, a mais recente edição do Atlas da Violência, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrou que quase metade (49,2%) dos homicídios em 2022 no Brasil tiveram como vítimas pessoas de 15 a 29 anos. Foram 62 mortes violentas de jovens nessa faixa etária por dia, em média.

No que se refere à pobreza, 9,6 milhões de pessoas saíram da condição de extrema pobreza no país entre 2022 e 2023. Como em 2021 eram 19,2 milhões, o resultado equivale à retirada de metade delas dessa condição, segundo dados do Ibre FGV —que considera extremamente pobres pessoas com rendimento domiciliar per capita abaixo de R$ 209 mensais.

Bolsa Família maior e recuperação do emprego são apontados como principais causas para o avanço.

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