A Polícia Civil do Rio Grande do Norte abriu hoje (14) um inquérito para apurar se houve crime de tortura, racismo e preconceito contra um homem quilombola, que foi jogado no chão, amarrado, arrastado e ainda agredido com um pisão nas costas por um comerciante em Portalegre, cidade do alto oeste do estado.
O caso ocorreu no último sábado (11) e repercutiu nas redes sociais. Um vídeo das agressões que circula na internet mostra o quilombola imobilizado no chão com a barriga para baixo e com as mão amarradas para trás enquanto leva um pisão nas costas. Nas imagens é possível ver que ao menos duas pessoas tentam interferir no caso.
A delegada-geral da Polícia Civil de RN, Ana Cláudia Saraiva, afirmou na manhã de hoje, em entrevista coletiva, que o caso chegou à polícia no próprio sábado para que se apurasse um crime de dano ao patrimônio. O quilombola teria atirado pedras contra o estabelecimento comercial do homem que o agrediu após ouvir ofensas proferidas por ele.
No entanto, após as imagens da agressão circularem na internet, a polícia instaurou um inquérito para apurar se também houve crime de tortura.
“As imagens são chocantes. O crime cometido será rigorosamente apurado. A princípio se vê elementos de tortura. A Polícia Civil irá investigar com todo rigor se naquela situação se materializou os crimes de tortura, racismo e preconceito”
Ana Cláudia Saraiva, delegada-geral da Polícia Civil de RN
A cidade de Portalegre possui uma das maiores comunidades quilombolas do Rio Grande do Norte. A governadora do estado, Fátima Bezerra (PT), também se manifestou sobre o caso e divulgou em suas redes sociais que determinou à Polícia Civil a apuração imediata do caso.
Motivação
A polícia não informa oficialmente a identidade do agredido nem do agressor. A Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), por sua vez, afirma que o quilombola agredido é Luciano Simplício, de 23 anos, e o agressor é o comerciante Alberan Freitas, dono de um pequeno mercado na região.
A reportagem do UOL apurou junto a agentes envolvidos na investigação que são estes os nomes dos dois.
Por questão de segurança, Simplício foi para casa de um familiar em outra cidade. Um familiar, que não quis se identificar, disse ao UOL que Simplício e Freitas se conheciam e já haviam discutido em outras ocasiões. A agressão no último sábado, segundo ele, começou porque o quilombola pediu bebida no estabelecimento.
“Ele [Simplício] ficou todo arranhado, todo lascado, chegou a desmaiar no posto de saúde. O Alberan [agressor] conhecia uma irmã do Luciano que trabalha do lado dele, eram vizinhos”, disse.
De acordo com a Conaq, que acompanha o caso de perto, a agressão contra Simplício foi motivada por racismo.
“Esse caso visibiliza o quanto estamos passando por um processo de fortalecimento do racismo, genocídio da população negra e quilombola”, disse Antônio Crioulo, coordenador executivo da entidade.
Segundo a vereadora Brisa Bracchi (PT), que também acompanha de perto o caso após ser acionada pela Conaq, o comerciante vinha difamando Simplício em aplicativos de mensagens, o que teria motivado a ação do quilombola contra o estabelecimento de Freitas.
“Ele [Simplício] foi brutalmente espancado no meio da rua, em nítidos atos de tortura, após reagir com pedradas as ofensas de ‘drogado e bandido’ proferidas pelo comerciante”, disse. De acordo com ela, a comunidade quilombola local vem sofrendo ataques depois do ocorrido.
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