Política: O que é ser esquerda, direita, liberal e conservador?

Nas eleições presidenciais e estaduais de 2014, o Brasil assistiu a uma onda de discursos agressivos, especialmente nas redes sociais, que se dividiam em dois lados: os de esquerda e os de direita, associadas pela maioria aos partidos PT e PSDB, respectivamente.

D0 Andréia Martins, no UOL

Definir um posicionamento político apenas pelo viés partidário pode ser uma armadilha repleta de estereótipos, já que essa divisão binária não reflete a complexidade e contradições da sociedade. O fato é que não existe um consenso quanto a uma definição comum e única de esquerda e direita. Existem “várias esquerdas e direitas”. Isso porque esses conceitos são associados a uma ampla gama de pensamentos políticos.

Origem dos termos

As ideologias “esquerda” e “direita” foram criadas durante as assembleias francesas do século 18. Nessa época, a burguesia procurava, com o apoio da população mais pobre, diminuir os poderes da nobreza e do clero. Era a primeira fase da Revolução Francesa (1789-1799).

Com a Assembleia Nacional Constituinte montada para criar a nova Constituição, as camadas mais ricas não gostaram da participação das mais pobres, e preferiram não se misturar, sentando separadas, do lado direito. Por isso, o lado esquerdo foi associado à luta pelos direitos dos trabalhadores, e o direito ao conservadorismo e à elite.

Dentro dessa visão, ser de esquerda presumiria lutar pelos direitos dos trabalhadores e da população mais pobre, a promoção do bem estar coletivo e da participação popular dos movimentos sociais e minorias. Já a direita representaria uma visão mais conservadora, ligada a um comportamento tradicional, que busca manter o poder da elite e promover o bem estar individual.

Com o tempo, as duas expressões passaram a ser usadas em outros contextos. Hoje, por exemplo, os partidários que se colocam contra as ações do regime vigente (oposição) seriam entendidos como “de esquerda” e os defensores do governo em vigência (situação) seriam a ala “de direita”.

Para o filósofo político Noberto Bobbio , embora os dois lados realizem reformas, uma diferença seria que a esquerda busca promover a justiça social enquanto a direita trabalha pela liberdade individual.

Após a queda do Muro de Berlim (1989), que pôs fim à polarização EUA x URSS, um novo cenário político se abriu. Por isso, hoje, as palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ parecem não dar conta da diversidade política do século 21. Isso não quer dizer que a divisão não faça sentido, apenas que ‘esquerda’ e ‘direita’ não são palavras que designam conteúdos fixados de uma vez para sempre. Podem designar diversos conteúdos conforme os tempos e situações.

“Esquerda e direita indicam programas contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence habitualmente à ação política, contrastes não só de ideias, mas também de interesses e de valorações a respeito da direção a ser seguida pela sociedade, contrastes que existem em toda a sociedade e que não vejo como possam simplesmente desaparecer. Pode-se naturalmente replicar que os contrastes existem, mas não são mais do tempo em que nasceu a distinção”, escreve Bobbio no livro “Direita e Esquerda – Razões e Significados de uma Distinção Política”.

No Brasil, essa divisão se fortaleceu no período da Ditadura Militar, onde quem apoiou o golpe dos militares era considerado da direita, e quem defendia o regime socialista, de esquerda.

Com o tempo, outras divisões apareceram dentro de cada uma dessas ideologias. Hoje, os partidos de direita abrangem conservadores, democratas-cristãos, liberais e nacionalistas, e ainda o nazismo e fascismo na chamada extrema direita.

Na esquerda, temos os social-democratas, progressistas, socialistas democráticos e ambientalistas. Na extrema-esquerda temos movimentos simultaneamente igualitários e autoritários.

Há ainda posição de “centro”. Esse pensamento consegue defender o capitalismo sem deixar de se preocupar com o lado social. Em teoria, a política de centro prega mais tolerância e equilíbrio na sociedade. No entanto, ela pode estar mais alinhada com a política de esquerda ou de direita. A origem desse termo vem da Roma Antiga, que o descreve na frase: “In mediun itos” (a virtude está no meio).

A política de centro também pode ser chamada de “terceira via”, que idealmente se apresenta não como uma forma de compromisso entre esquerda e direita, mas como uma superação simultânea de uma e de outra.

Essas classificações estariam divididas no que podemos chamar de uma “régua” ideológica:

EXTREMA-ESQUERDA | ESQUERDA | CENTRO-ESQUERDA | CENTRO | CENTRO-DIREITA | DIREITA | EXTREMA-DIREITA

Para os brasileiros a diferença entre as ideologias não parece tão clara. Em 2014, durante as eleições, a agência Hello Research fez um levantamento em 70 cidades das cinco regiões do Brasil perguntando como os brasileiros se identificavam ideologicamente. Dos 1000 entrevistados, 41% não souberam dizer se eram ideologicamente de direita, esquerda ou centro.

A porcentagem dos que se declaram de direita e esquerda foi a mesma: 9%. Em seguida vem centro-direita (4%), centro-esquerda e extrema-esquerda, ambas com 3%, e extrema-direita (2%). Quando a pergunta foi sobre a tendência ideológica de sete partidos (DEM, PT, PSDB, PSB, PMDB, PV, PDT, Psol, PSTU), mais de 50% não souberam responder.

Em determinados momentos da história, ambas as ideologias assumiram posturas radicais e, nessa posição, tiveram efeitos e atitudes muito parecidas, como a interferência direta do Estado na vida da população, uso de violência e censura para contra opositores e a manutenção de um mesmo governo ou liderança no poder.

Ao longo do século 20, parte do pensamento de esquerda foi associada a bases ideológicas como marxismo, socialismo, anarquismo, desenvolvimentismo e nacionalismo anti-imperialista (que se opõe ao imperialismo).

O mesmo período viu florescer Estados de ideologias totalitárias como o nazismo (1933-1945), fascismo (1922-1943), franquismo (1939-1975) e salazarismo (1926-1974), que muitas vezes se apropriaram de discursos da esquerda e da direita.

Outro tema fundamental para as duas correntes é a visão sobre a economia. Os de esquerda pregam uma economia mais justa e solidária, com maior distribuição de renda. Os de direita seriam associados ao liberalismo, doutrina que na economia pode indicar os que procuram manter a livre iniciativa de mercado e os direitos à propriedade particular. Algumas interpretações defendem a total não intervenção do governo na economia, a redução de impostos sobre empresas, a extinção da regulamentação governamental, entre outros.

Mas isso não significa que um governo de direita não possa ter uma influência forte no Estado, como aconteceu na Ditadura. Em regimes não-democráticos, a direita é associada a um controle total do Estado.

O termo neoliberalismo surgiu a partir dos anos 1980, associados aos governos de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, que devido à crise econômica do petróleo, privatizaram muitas empresas públicas e cortaram gastos sociais para atingir um equilíbrio fiscal. Era o fim do chamado Estado de Bem-Estar Social e o começo do Estado Mínimo, com gastos enxutos.

Para a esquerda, o neoliberalismo é associado à direita e teria como consequências a privatização de bens comuns e espaços públicos, a flexibilização de direitos conquistados e a desregulação e liberalização em nome do livre mercado, o que poderia gerar mais desigualdades sociais.

O liberalismo não significa necessariamente conservadorismo moral. Na raiz, o adjetivo liberal é associado à pessoa que tem ideias e uma atitude aberta ou tolerante, que pode incluir a defensa de liberdades civis e direitos humanos. Já o conservador seria aquele com um pensamento tradicional. Na política, o conservadorismo busca manter o sistema político existente, que seria oposto ao progressismo.

Direita e esquerda também têm a ver com questões morais. Avanços na legislação em direitos civis e temas como aborto, casamento gay e legalização das drogas são vistas como bandeiras da esquerda, com a direita assumindo a defesa da família tradicional. Nos Estados Unidos, muitos eleitores se identificam com a chamada direita cristã, que defendem a interferência da religião no Estado.

No entanto, vale destacar que hoje muitos membros de partidos tidos como centro-direita defendem tais bandeiras da esquerda, exceto nos partidos de extrema-direita (como podemos observar na Europa), que são associados ao patriotismo, com discurso forte contra a imigração (xenofobia).

Andréia Martins

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