Por um antirracismo plural e organizado

FONTEEnviado para o Portal Geledés, por Ricardo Corrêa
Manifestantes no ato de fundação do Movimento Negro Unificado nas escadarias do teatro Municipal, no centro de São Paulo, em 1978; imagem integrou exposição 'Memórias do Futuro: Cidadania Negra, Antirracismo e Resistência' - Jesus Carlos-7.jul.1978/Divulgação

 Amar a negritude como resistência política transforma nossas formas de ver    e ser e, portanto, cria as condições necessárias para que nos movamos contra as forças de dominação e morte que tomam as vidas negras. 

– bell hooks

Para os que se debruçam, intelectual e ativamente, nos espaços de luta contra o racismo, não restam dúvidas da dificuldade em construir planos que abranjam todas as suas particularidades.

O racismo é multifacetado. Ele atravessa as ações isoladas contra a dimensão subjetiva e objetiva do povo negro. Há um diálogo entre as suas formas que asseguram o êxito caso alguma não funcione. Portanto, é ingenuidade acreditar na existência de solução única e simples para erradicá-lo. O combate demanda de métodos dinâmicos, diversificados, compatíveis com a dimensão do ataque provocado pela branquitude contra a nossa humanidade. E saibamos que a luta será estéril se não pautarmos o debate racial nos espaços de poder nas instituições públicas e privadas, facilitadoras da reprodução e manutenção do racismo.

Na obra Black Power – A Política de Libertação nos Estados Unidos (1967), Kwame Ture e Charles Hamilton escreveram “O fato é que a escravidão teve um impacto profundo nas atitudes subsequentes da sociedade em relação ao homem negro, isto é, a escravidão ajudou a definir um senso de superioridade branca”. Essa falsa superioridade no íntimo dos brancos é materializada com o preconceito e discriminação, afetando negativamente a autoestima dos negros.

Nesse caldo social, encontramos diversas situações que apontam a complexidade que estamos inseridos. Por exemplo, há policiais negros (entre outros profissionais de segurança) que protagonizam o aumento da violência contra os negros reproduzindo o racismo sem perceber que são meramente instrumentos do sistema; a leitura racial tem variações de acordo com cada região brasileira. Eu tive um aluno que se enxergava como uma pessoa branca, e as pessoas do seu convívio assim o tratavam, mas sofreu racismo quando viajou para a cidade de Florianópolis. Ele é filho de casal inter-racial. 

Por muito tempo as empresas deram preferência na contratação de pessoas brancas, porém, com as recorrentes denúncias dos movimentos negros, os empresários abriram timidamente as portas para as pessoas negras. No entanto, remuneram os negros com salários inferiores, e priorizam a contratação para cargos sem poder de decisão. Essa prática racista até rende frutos às empresas, pois sugere que são comprometidas com a diversidade racial. Daí lembro da reflexão do revolucionário Steve Biko sobre a relação íntima entre o capitalismo e o racismo; “são duas faces da mesma moeda”. Os trabalhos dos intelectuais brasileiros como Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Sueli Carneiro, Clóvis Moura, Milton Santos também nos ajudam na compreensão da relação dessas opressões.

Dito isso, trabalhemos para aumentar o número de organizações de luta negra e fortalecer as que estão em atividade, mas não basta pensarmos somente em quantidade; é fundamental a construção de agendas que possibilitem uma coordenação nacional. Se esses movimentos tiverem como propósito a radicalidade, a conscientização do povo negro ocorrerá dentro de seus espaços, e o enfrentamento contra o racismo atingirá outros patamares. Uma massa sabedora dos seus direitos derruba todos os pilares da branquitude. Ademais, não esqueçamos do amor a negritude para catalisar a nossa resistência; bell hooks apontou o caminho na epígrafe deste texto.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019. 

BIKO, Steve.  Escrevo o que eu quero. São Paulo. São Paulo: Ed. Ática, 1990.TURE, Kwame (Stokely Carmichael); HAMILTON, Charles. Black Power: a política de libertação nos Estados Unidos. Tradução: Ariovaldo Santos de Souza. São Paulo: Jandaíra, 2021.


Ricardo Corrêa – Homem preto e periférico. Especialista em educação e tecnologia.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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