A cantora Azealia Banks denunciou, em uma de suas redes sociais, o ator Russell Crowe por racismo e agressão física durante uma festa organizada por ele. A postagem rapidamente ganhou repercussão e foi noticiada por grandes veículos de comunicação, no Brasil e no exterior. Mas, como tantas vezes já vimos, a reação pública revelou um padrão: a denúncia de uma mulher é sistematicamente colocada em dúvida, enquanto o prestígio do homem permanece intocado.
O ciclo da desconfiança
Não é a primeira vez que isso acontece. Em maio deste mesmo ano, quando Amber Heard denunciou o então marido Johnny Depp por violência doméstica, as primeiras reações foram de descrédito:
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“Eu duvido que Depp tenha feito isso.”
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“Essa Amber só quer aparecer, conseguiu fama só por causa dele.”
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“Nossa, vocês pegaram como fonte o TMZ? Fala sério.”
Ao mesmo tempo, amigos e fãs do ator surgiram em sua defesa, ignorando o histórico de comportamentos violentos que já constavam em sua biografia.
No caso de Azealia Banks, o padrão se repetiu. Entre os comentários nas redes sociais após a denúncia, estavam:
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“Essa mulher é nojenta, faz briga com todo mundo.”
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“Se ele é racista, por que a convidaria para a festa dele?”
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“Essa mulher é escrota, vocês precisam apurar essas informações.”
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“Azealia Banks é louca.”
Mais uma vez, a palavra da mulher é invalidada antes mesmo de qualquer apuração. Sua vida, sua personalidade e seu histórico são usados contra ela, enquanto o homem acusado raramente tem seu caráter questionado.
O histórico de Russell Crowe
Vale lembrar que o ator Russell Crowe, vencedor do Oscar por Gladiador (2001), acumula episódios de agressividade documentados pela imprensa. Em 2005, foi preso em Nova York após agredir um funcionário de hotel ao jogar um telefone contra ele. Em 2002, admitiu publicamente não se arrepender de um confronto físico com um executivo de TV durante a cerimônia do Bafta.
Esses antecedentes, porém, não foram suficientes para que sua versão fosse posta em xeque. Ao contrário: quem foi julgada e ridicularizada foi a mulher que o denunciou.
Machismo estrutural e cumplicidade social
Esse duplo padrão revela como o machismo estrutural opera: o benefício da dúvida é quase sempre concedido ao homem, mesmo quando há evidências de comportamento violento. Já a mulher, especialmente quando negra como Azealia Banks, precisa enfrentar não apenas a violência sofrida, mas também a descrença pública e o linchamento moral.
O mais grave é perceber que essas dúvidas não vêm apenas de homens. Muitas mulheres também reproduzem o mesmo discurso de descrédito, o que mostra a força da cultura patriarcal e o quanto ela atravessa relações sociais de maneira transversal.
A questão que fica é: até quando o mundo seguirá julgando a mulher antes mesmo de ouvir sua voz, e protegendo homens poderosos, mesmo diante de seus históricos de agressão?