Li no jornal Folha de São Paulo (4 de dezembro 2015, Poder A15), informação de Luiza Franco segundo a qual a Academia Brasileira de Letras elegeu seu primeiro presidente negro desde Machado de Assis. Trata-se do professor e escritor carioca Domício Proença Filho, com mandato até o fim de 2016. Quinto ocupante da cadeira 28, entrou na ABL em 2006, sucedendo Oscar Dias Corrêa. Escreveu 65 obras, incluindo livros didáticos e romances; sucederá o diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti.
Como sabemos e informa Luiza Franco, Machado de Assis “não costumava falar sobre a questão da raça e ocupou a cadeira de 1897 a 1908”. Pouco importando o modo de proceder do maior escritor brasileiro, Machado de Assis, só agora, em mais de 100 anos de história, temos Proença como o segundo presidente negro da ABL! Seria por que, a vida toda, “se debruçou sobre a questão do negro na literatura e no Brasil?” Seria um gênio? De todo modo, conforme escreve Luiza Franco, “na presidência da casa, não fará do assunto uma bandeira”. Questão racial nunca foi objeto da preocupação dessas instituições. Proença já avisou:
“A Academia não discutirá isso. A questão racial nunca foi sequer aventada aqui, seja contra ou a favor. Eu não fui cota. Academia não me elegeu por eu ser um negro escritor”, diz.
Seja como for, o certo é que a posição assumida por Domício Proença Filho, não é muito diferente da que assumiu o velho bruxo de “Cosme Velho”, Machado de Assis, a despeito de ser um intelectual dos mais privilegiados e inteligentes das Américas e do mundo. Assim como Proença, o ilustre autor de Dom Casmurro, de tão influenciado pelo mascarado racismo “a brasileira”, “fugiu” do tema relativo às suas origens africanas. Sobre isso, aliás, foi severamente criticado por nada menos que a glória que é Mário de Andrade, ao escrever:
“Machado de Assis não profetizou nada, não combateu nada, não ultrapassou nenhum limite infecundo. Viveu moral e espiritualmente escanchado na burguesice do seu funcionarismo garantido e muito honesto, afastando-se os perigos visíveis. Mas as obras valem mais que os homens! E se o Mestre não pode ser um protótipo do homem brasileiro, a obra dele nos dá a confiança do nosso mestiçamento e vaia os absolutistas raciais com o mesmo rijo apito com que Humanistas vaiaram o setentarismo das filosofias de contemplação (Andrade, 1972, pp. 108 e 109).
Embora reconheça os irrefutáveis méritos literários de Machado de Assis, inclusive admitindo que “as obras valem mais que os homens”, Mário de Andrade, “sem meias palavras”, mostra que a estranha posição assumida pelo velho bruxo com relação ao tema enfocado tem dimensão superior à dos meros dúbios e ambíguos, ainda existentes, parece-nos já vivida e acentuada nas “dúvidas da infância” de Machado de Assis, período onde, humilhado e fugindo do negro como o diabo da cruz, teria tido vergonha das próprias origens de ser moleque gago, sifilítico, epilético, sem rumo, vagabundo, posicionamento dotado de preconceito racial ainda bem vivo na maior parcela da sociedade brasileira com relação aos vagabundos de hoje em dia, chamados “meninos de rua”, “desocupados” e marginais, em maioria afro-brasileiros.
No particular abordado o emérito Dante Moreira Leite, refutando tese conservadora de Gilberto Freyre, segundo a qual “o homem de talento sempre pode elevar-se às mais elevadas posições”, como ocorreria com relação a machado de Assis e Gonçalves Dias, por exemplo, é taxativo em afirmar que Machado de Assis, para ser o que é, no sagrado ofício de escrever, escondeu sua aparência de mulato: “Machado de Assis de várias maneiras procurou esconder sua aparência de mulato, enquanto Gonçalves Dias não conseguiu, pelo fato de ser mestiço, casar-se com moça de classe mais alta” (Leite, 2002, p. 371).
E com relação ao segundo presidente negro, Domício Proença Filho, na ABL? O fato de estarmos em pleno século 21, reduziria o racismo e o sofrimento desse novo homem negro no elevado status de presidente? Consoante afirmou, não vai tratar do assunto. Não vou opinar sobre sua obra, por exemplo, “A trajetória do negro na literatura brasileira”, que enriquece o conteúdo e bibliografia do Racismo à brasileira: raízes históricas, em 4ª edição (2009). Assim, o que ocorre com os ilustres membros da ABL com relação ao preconceito social e racial, é o mesmo que acontece em outras instituições culturais congêneres, onde o assunto, além de ser dissimulado, pra não dizer escondido, não vem sendo lembrado. Não é objeto de discussão, debates, abordagens, polêmicas. Mas o pior é o que ocorre no ambiente universitário brasileiro, onde, com as devidas exceções existentes, está explicitado e comprovado pelo que chamo “racismo acadêmico ou universitário”, justificando um dos capítulos do livro acima citado, desde sua primeira edição em 1985. Ali ousei mostrar e desmistificar a velha ideia de negro submisso, que não se importava com sua situação de cativo, devendo ser por isso, certamente, que virou mero objeto de pesquisa acadêmica.
(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHG-GO, UBE-GO, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM –[email protected])