Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Da África do Sul aos Estados Unidos, dos países caribenhos ao Brasil, classificações raciais podem servir para ampliar direitos ou dividir politicamente

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham os direitos dos brancos nem a possibilidade de se organizar politicamente como negros. Era um não lugar que dividia.

Nos Estados Unidos, por décadas, uma gota de sangue africano bastava para que alguém fosse classificado como preto, sem espaço para nuances. O Estado garantia que, na separação entre quem tinha plenos direitos civis e quem não tinha, qualquer pessoa não branca, em quaisquer tons de pele ou fenótipos, estava alijada dos direitos de cidadania.

No Caribe, são muitas as palavras para classificar mulatos, trigueños. Mas essa obsessão pelos matizes não impediu que os não brancos continuassem na base da pirâmide social.

Na França, em nome do universalismo republicano, o Estado recusa estatísticas raciais. Mas a polícia, nas periferias de Paris, não tem dúvidas sobre a quem dirigir a violência.

Em países marcados por forte desigualdade racial, determinadas classificações servem menos para descrever a realidade e mais para dividir politicamente a luta contra o racismo. No Brasil, o último censo, de 2022, revelou que 45,3% da população se declarou parda, 10,2% preta e 43,5% branca. Juntos, pretos e pardos compõem a maioria negra do país, 55,5%.

Quando observamos dados de renda, fica muito evidente como pretos e pardos têm condições de vida similares e como estão distantes dos brancos.

Segundo o IBGE, em 2024 a renda média domiciliar per capita dos brancos foi de cerca de R$ 3.100, enquanto a dos pardos ficou em torno de R$ 1.800 e a dos pretos em R$ 1.750. Ou seja, pretos e pardos com renda praticamente igual entre si e muito abaixo dos brancos.

Por isso, o movimento social negro e a sociologia brasileira classificam pretos e pardos juntos, como negros.

Diante das recentes políticas de ações afirmativas, que têm sido bem-sucedidas no enfrentamento às desigualdades raciais, a quem interessaria tirar pessoas pardas da classificação negra?

Seja pela invenção de nomes novos para os pardos, seja pela repetição dos antigos, separar pretos e pardos é uma estratégia de enfraquecimento político.

“Você está querendo politizar raça”, muitos vão gritar nos comentários da versão online desta coluna. Sim, amores, porque raça é uma categoria política. A biologia já demonstrou que não existem raças humanas distintas. Mas em sociedades como a nossa, a cor da pele hierarquiza pessoas e define o acesso a direitos. Por isso, se existe racismo, precisamos da categoria raça para enfrentá-lo.

Sempre que alguém aparecer com um novo nome, mesmo com cara de moderninho, para separar pardos e pretos, convém perguntar: que classificações raciais ajudam a ver desigualdades e a organizar coletivamente os grupos marginalizados? E quais, ao contrário, servem para desmobilizar?

Tirar pardas e pardos da categoria negro não protege ninguém do racismo, nem ajuda a corrigir desigualdades históricas. Mas pode desarmar politicamente milhões de pessoas que podem se organizar como um mesmo grupo no enfrentamento ao racismo. O objetivo, ao final, é fazer valer a promessa ainda não cumprida de direitos iguais para todo mundo, independentemente da cor de pele.


Bianca Santana – Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”

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