Questionário online vai mapear violência e racismo na USP

Violência e racismo na USP

A Pró-reitoria de Cultura e Extensão da USP fará um questionário online para mapear os casos de homofobia, racismo e machismo – incluindo violência sexual – na instituição. Os dados deverão ser tabulados até dezembro e divulgados em 2015, com a intenção de discutir políticas de prevenção e educação aos estudantes. Além disso, o órgão pensa em criar uma “agência de direitos” para receber denúncias e atender a universidade – modelo semelhante ao que foi prometido pela Faculdade de Medicina (FMUSP) após a divulgação de casos de estupro em festas da instituição.

do Patricia Galvão

As ações foram relatadas ao Estado pela professora de Antropologia Heloísa Buarque, que coordena o programa USP Diversidade, vinculado à pró-reitoria. A ideia surgiu do acúmulo de denúncias feitas informalmente por alunos a docente, incluindo casos não só da FMUSP.

De acordo com Heloísa, muitos alunos deixam de fazer as denúncias, tanto pela vergonha quanto pela burocracia. “A vítima precisa escrever uma carta e protocolar na diretoria da unidade em que estuda. Se for aprovada, cria-se uma sindicância, formada por três professores e um funcionário. Eles devem apurar o caso com testemunhas e só depois passam um relatório que pode ser usado para a abertura de um processo”, explicou.

Universos. Segundo Heloísa, o levantamento poderá evidenciar dois “universos” diferentes em que os casos de violência podem ocorrer. “O primeiro é o dos cursos de prestígio, Medicina, Direito, Poli. Há uma espécie de rito de iniciação para que os alunos sejam aceitos. Os estudantes são humilhados em trotes violentos para depois humilhar também e fazer parte da elite.”

O outro universo, de acordo com ela, é o da violência sexual. “Não é só na USP. O que ocorre é que estão aumentando os grupos feministas e LGBT. As pessoas se sentem mais apoiadas para denunciar”.

Leia trechos da entrevista com Heloísa Buarque, do USP Diversidade

Até dezembro. Segundo Heloísa, ideia é criar uma ‘agência de direitos’ na universidade (Foto: Gabriela Bilo/Estadão)
Até dezembro. Segundo Heloísa, ideia é criar uma ‘agência de direitos’ na universidade (Foto: Gabriela Bilo/Estadão)

Como será a pesquisa?

Vamos começar pesquisando os alunos com um questionário online. Para mapear três questões – problema de racismo, machismo e LGBTfobia. Formas de discriminação e até piadinha em sala de aula. Professor fazendo piada machista, por exemplo. Em cursos em que há poucas mulheres, são muitas reclamações. São vários níveis de violência, da piadinha até a violência corporal. No questionário vai haver um campo aberto para descrição do que ocorreu.

O que tem motivado o aumento nas denúncias de violência?

Você tem um número crescente de coletivos feministas e LGBT. Com esses coletivos, as pessoas se sentem mais apoiadas para denunciar. Está crescendo o número de denúncias. Nem sempre elas denunciam para a burocracia universitária – isso nos deixa de mãos atadas. Se eu não tenho a denúncia, não posso abrir uma sindicância. No entanto, tem outro jeito de denunciar anonimamente, a ouvidoria da USP. Eu estou fazendo denúncias à ouvidoria, inclusive de casos no Crusp (moradia estudantil).

Isso é um problema antigo de muitos campus universitários. O campus acaba sendo um lugar escuro à noite. Mas o que tem nos assustado não é o estupro da rua escura, mas o que ocorre entre pessoas que se conhecem. A minha impressão, de alguém que pesquisa gênero na sociedade brasileira, é uma mudança na sensibilidade da sociedade. Vejo muita gente dizendo que sofreu violência sexual no passado, mas não sabia que se tratava de violência. Trabalho com mulheres mais velhas que muitas vezes dizem que não se lembram da primeira relação sexual porque estavam bêbadas. E eu penso: isto é estupro. A noção do que é violência e o que é estupro não é universal. O que é notável é que hoje nós chamamos de violência sexual é mais comum do que a gente imagina e muito mais comum entre pessoas conhecidas. Entre marido e mulher, namorados, entre amigos. E agora está aparecendo em ambiente universitário.

Depois da pesquisa, quais serão as medidas a serem tomadas?

Não é só punição. Tem que ter mecanismos de prevenção. Precisamos ensinar a cultura do consentimento. Se a menina não está afim, não importa que vocês já estão no quarto, de luz apagada e sem roupa. Ela não é obrigada a transar. Vivemos em uma cultura do “ajoelhou, tem que rezar”. A mudança na sensibilidade tem a ver com uma nova noção de direitos, que supõe que a mulher possa, na hora H, dizer que não quer mais, assim como o rapaz também pode. Assim como uma pessoa pode entrar na universidade e dizer que não quer beber até cair em um trote.

Veja a nota publicada pelo USP Diversidade na segunda-feira, 17

Posicionamento do Programa USP Diversidade face aos casos de estupro, machismo, homofobia e racismo na Faculdade de Medicina da USP

No primeiro semestre deste ano, alunos de diferentes coletivos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP, procuraram o Programa USP Diversidade para tratar de casos de estupro, violência de gênero, homofobia e racismo nessa unidade de ensino. Desde então, passamos a acompanhar de perto ações que vem sendo feitas por diferentes instâncias, internas e externas à universidade, na busca de punição para os culpados e de caminhos que promovam o respeito e solidariedade entre todos os membros da comunidade USP.

Em relação aos estupros e abusos corporais e psicológicos ocorridos na FMUSP, são alarmantes os números de casos e preocupante a omissão e tentativa de ocultamento dos dirigentes dessa instituição. Alunos e alunas da FMUSP relataram ao USP Diversidade perseguições e assédio por terem vindo a público denunciar os abusos cometidos por seus colegas. Em nome da “honra” e da “tradição” da Faculdade de Medicina, e através de rituais de iniciação e hierarquia, promove-se uma comunidade de silêncio, na qual seus membros tornam-se cúmplices de atos criminosos e violentos.

Causa-nos espanto saber que não há nenhum controle da FMUSP sobre as ações realizadas pelo Show Med. Também é irregular que um ambiente da faculdade, chamado “bosque”, seja local para prática de sexo, com a conivência de alunos, professores e funcionários, que optam por silenciar-se. Mais grave, porém, é o fato de estupros declarados terem sido considerados consensuais, mesmo diante de veementes negativas das vítimas.

É inegável a importância da FMUSP no cenário acadêmico internacional. Trata-se de uma faculdade com pesquisa de ponta, ações de extensão importantes para todo o país, pioneirismo em áreas centrais, e excelência na graduação e pós-graduação. Se em nome da “honra” e da “tradição” houve tentativas de ocultar os casos de estupro, machismo, homofobia e racismo, a presente situação é uma oportunidade para que a FMUSP honre sua reputação e tome medidas exemplares.

Profª. Drª. Heloísa Buarque de Almeida – Coordenadora do Programa USP Diversidade

Prof. Dr. Ferdinando Martins – Vice-coordenador do Programa USP Diversidade

Luiz Fernando Toledo

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