Quinze anos depois, Política de Saúde da População Negra ainda precisa avançar no Brasil

Ações ficaram praticamente paradas entre 2016 e 2021, e maioria dos municípios ainda não coloca a norma em prática

Instituída em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) ainda não conseguiu ser implementada na totalidade dos municípios brasileiros. Ela reconhece que o racismo e as desigualdades étnico-raciais são determinantes para as condições de saúde e traz ações para combater essa realidade.

Dados de 2019 apontam que, na ocasião, menos de 30% das cidades brasileiras haviam colocado em prática aspectos do PNSIPN. Apenas 3% criaram órgãos para acompanhar e monitorar a implementação da política. O desfinanciamento e desmonte de programas sociais entre os anos de 2016 e 2021 indicam que essa realidade pode ter se tornado ainda mais crítica.

“Dentro desse balanço dos 15 anos da política, vimos que, a partir de 2016, entra Michel Temer (MDB), que nada faz para levar em consideração e ter responsabilidade com os programas e as políticas de melhoria da qualidade de vida das populações. Em seguida, o desastre do presidente Jair Bolsonaro (PL), que só fez aprofundar a desigualdade. É claro que a implementação dessa política ficou parada”, afirma Edna Araújo, especialista em saúde pública.

Em conversa com o podcast Repórter SUS, a professora da Universidade Estadual de Feira de Santana e membro do GT Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde ressalta que o governo atual tem demonstrado vontade política de reverter o cenário.

*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz).

Há cerca de um mês, a gestão federal instituiu o Comitê Técnico Interministerial de Saúde da População Negra no Ministério da Saúde, em parceria com as pastas da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania. O objetivo é gerir e avaliar ações de prevenção, promoção e atenção à saúde da população negra dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)

Uma das tarefas do órgão é justamente apoiar a implementação dos comitês técnicos nos estados e municípios para que as ações da PNSIPN sejam colocadas em prática. O grupo conta com representantes de movimentos sociais e populares.

Edna Araújo explica que a participação da sociedade civil é uma premissa essencial para que o país finalmente consiga implementar políticas de saúde que combatam a desigualdade de acesso e atendimento. “Não é uma política que foi criada pelo governo, é uma política que foi criada, pressionada e tensionada a acontecer pelos movimentos sociais.”

De acordo com a especialista, a falta de equidade no acesso já era diagnosticada historicamente por essas organizações. “O movimento negro e vários outros movimentos, pesquisadores, intelectuais, teóricos acompanhavam há muito tempo a situação de vida e de saúde da população e viram o quanto a falta de acesso aos direitos, o tratamento desigual, a discriminação e o racismo fazem com que nós tenhamos dois países diferentes. O dos brancos, com indicadores elevados e o dos pretos, indígenas e pobres, com indicadores muito baixos.”

Ela pontua também que os avanços alcançados até agora, embora tímidos, são fruto direto da pressão dos movimentos e cita como exemplo o aumento de consultas entre mulheres negras. Edna Araújo salienta que, além da participação social, a implementação total da pesquisa também vai depender de ações que envolvam todas as instâncias da sociedade e do poder público.

“O racismo está em toda a sociedade e afeta todas as áreas de conhecimento. Para ter saúde é preciso ter habitação, escola, alimentação, condições básicas de sobrevivência. Quem não tem acesso a isso são as populações que estão nessa situação de desigualdade em nosso país. Para revertermos isso, é preciso que haja um grande empenho do governo e da sociedade como um todo para essa desconstrução.”

+ sobre o tema

Ana Flavia Cavalcanti: “Não falta negro no audiovisual, falta a vontade de pessoas brancas”

Diretora, roteirista, produtora e atriz tanto de filmes e...

Quando uma Globeleza sofre racismo no Carnaval

Agora que o Carnaval passou, novas histórias serão contadas. Será um...

População alemã se engaja em movimentos contra o racismo no país

Ações são contra o preconceito contra muçulmanos e imigrantes...

para lembrar

Embranquecimento e Colorismo: estratégias históricas e institucionais do racismo brasileiro

(na foto abaixo, 4 dos diversos personagens negros históricos...

Atibaia: Câmara aprova cotas para afrodescendentes em concursos públicos municipais

  Foi aprovada na sessão da Câmara desta segunda-feira, dia...

Novo caso de racismo com Balotelli agora vem do próprio presidente

Massimo Cellino foi irônico e usou tom racista ao...
spot_imgspot_img

Mães de vítimas denunciam assassinatos em Conselho da ONU

"Meu filho tinha 16 anos quando foi tirado de casa por 23 policiais militares no estado da Bahia, Brasil, em outubro de 2014", disse...

SP: Condomínio é condenado após mandar homem negro para entrada de serviço

O condomínio de alto padrão Quinta do Golfe Jardins, em São José do Rio Preto (SP), foi condenado a indenizar um homem negro em...

Três policiais são considerados culpados no caso de espancamento e morte de homem negro nos EUA

Três policiais acusados ​​de espancar o jovem afro-americano Tire Nichols, em 2023, foram considerados culpados por um tribunal federal, nessa quinta-feira, por manipulação de...
-+=