Desejos por profundas e assertivas mudanças no aspecto educativo moveram e ainda movem a baiana Bárbara Carine. Nascida e criada no bairro de Fazenda Grande do Retiro, em Salvador, ela está mudando os rumos da educação e tecnologia na cidade.
Aos 36 anos, a doutora, educadora e escritora conta que já compreendeu o papel que tem na sociedade como mulher preta e colocou em prática “a perspectiva ideológica de um projeto histórico de mundo”. Prova disso é a escola Maria Felipa, que é a 1ª instituição de ensino afro-brasileira registrada em uma secretaria de educação do Brasil.
Localizada na Rua Comendador José Alves Ferreira, número 60, no bairro do Garcia, em Salvador, a unidade de ensino vai além da educação convencional. A instituição, que atende crianças do Grupo II ao 2º ano do Ensino Fundamental I, oferece ações afro educativas, propõe formação trilíngue (sendo que uma das línguas é a Iorubá) e forma o futuro não só da Bahia, mas do Brasil, com uma consciência inédita.
A ideia de colocar em prática uma escola que leia as salas de aulas como reinos, que conte histórias sobre orixás e deuses indígenas, que traga autores e cientistas pretos, e principalmente que tenha pessoas negras na gestão da instituição nasceu principalmente após a chegada da filha adotiva de Bárbara.
Movida por um questionamento, ela se aliou a sócios e partiu para ação. “Em que ambiente a minha filha vai estudar…?”, pensou na época. É o que revelou Bárbara Carine em entrevista ao Preta Bahia desta semana.
“Eu me tornaria mãe de uma menina negra, numa cidade esmagadoramente negra, mas que na mesma proporção a gente não se vê nos espaços de poder. Somos sub-representados. No campo escolar, existem as ausências diversas de valorização da estética, religiosa, de perspectiva de vida futuras. É um constante não ter a vida do negro na sociedade. Eu não queria que minha filha vivesse em nenhum padrão de subalternidade”, disse.
A Maria Felipa é a primeira escola afro-brasileira registrada em uma secretaria de educação do Brasil. A escola é um cruzamento entre a perspectiva ideológica entre um projeto histórico de mundo com os documentos oficiais do MEC. É uma escola que tem educado crianças, e não só crianças como pais e pessoas em geral. Somos para todos, temos crianças negras, indígenas, brancas
Bárbara Carine
Representatividade
Bárbara Carine carrega diversas bandeiras e é responsável por dar voz para aqueles que por diversas vezes são invisibilizados por uma sociedade majoritariamente preconceituosa.
Seguida por mais de 200 mil pessoas no Instagram, a escritora e dona da obra “Como ser um Educador Antirracista” – que está dentro dos 10 livros mais vendidos no Brasil – teve uma trajetória cheia de adversidades e descrenças, mas não se deixou abater por nenhum movimento contrário daquele que acreditava.
“Demorei para me entender escritora, profissionalmente escritora. Essa é uma noção [de ser importante para muitas pessoas] que eu tenho construído muito recentemente. Sobre o quanto eu sou importante para mulheres, crianças, pessoas pretas em geral, para comunidade LGBTQIAPN+, e eu vejo isso pela reação que as pessoas têm quando me encontram nos espaços públicos. Muitas choram, muitas fazem referências as minhas literaturas como marcos importantes”.
Eu já ouvi de pessoas que foi através dos meus vídeos que elas pararam com processos e tentativas suicidas. É uma consciência muito recente para mim compreender o quanto que o trabalho que eu desenvolvo ele é coletivo e socialmente importanteBárbara Carine
Letramento racial
Para Bárbara, todas as pessoas que constituem a sociedade são racistas ou reproduzem racismo. E foi pensando em mudar essa perspectiva que ela lançou um curso de letramento racial – uma formação que mergulha no racismo estrutural e busca reeducar o indivíduo em um cenário antirracista.
Ela explica que é necessário as pessoas compreenderem o processo do preconceito estrutural, e, para além disso, lutar contra eles. Interessados em se inscrever na turma extra do curso precisam acessar o site onde é feita o cadastro.
“O racismo é uma grande estrutura que aprisiona pessoas negras e coloca dique nos processos de avanço sociais dessas pessoas. O curso de letramento racial é importante para que a gente coloque uma lupa preta e lance um olhar na sociedade a partir de um marcador racializado. Racializando pessoas negras que são destituídas de direitos sociais, assim como indígenas; racializando pessoas brancas que adquiriram socialmente privilégios as custas da ausência de outros grupos sociais. O curso de letramento racial é justamente para adquirir um repertório e uma criticidade em torno da questão racial para que a siga na sociedade enfrentando e superando o racismo”.